sábado, 21 de novembro de 2015

Organismo, comportamento e ambiente..



Comportamento é daquelas palavras que todos usam, mas ninguém sabe bem o que é. Como ninguém pergunta, cada um usa como quer e acha que todos estão usando a palavra com a mesma definição (a sua, que não existe explicitada).  Entretanto, isso não é nenhum demérito para a psicologia, 
comportamental ou não. Acontece o mesmo com termos como reflexo e consciência, usados nos mais variados sentidos na biologia e na psicologia, muitas vezes sem mesmo tentativas de definição.

Dia a lenda que um famoso pesquisador do comportamento animal foi perguntado sobre o que era comportamento e que teria respondido; “Ora, comportamento todo mundo sabe o que é”.

Em 2012 escrevi um artigo despretensioso na revista “Perspectivas em Análise do Comportamento” intitulado “Sobre uma definição de comportamento”. Despretensioso porque não estava oferecendo qualquer definição do termo. Só argumentei que a definição de comportamento como interação organismo-ambiente era diferente da definição implícita no uso que os mesmos autores faziam do termo:

Uma resposta enganosa e tentadoramente simples é dizer que comportamento é a interação entre organismo e ambiente. ...  Organismos não vivem no vácuo. Não é possível ocorrer qualquer ação do organismo sem alguma relação com o ambiente, externo ou interno ao organismo. Isso é elementar. Por isso, dizemos que comportamento não é coisa; é processo. Qualquer instância de comportamento tem início, meio e fim. Para a psicologia, essa é sempre a nossa variável dependente, independentemente da topografia ou do tipo de relação com o ambiente que definem essa variável dependente (e.g., respondentes e afins, operantes, padrões fixos de resposta, etc.). Variáveis independentes são variações no ambiente que afetam a ocorrência desses comportamentos, seja como antecedentes (no respondente e afins) ou consequentes (no operante e afins). ”

A reação a esse artigo foi maior que o esperado. Nos dois números de 2013 da Revista Brasileira de Análise do Comportamento estão vários artigos que discutem esse assunto. No link abaixo está um desses artigos, parceria com Marcelo Borges Henriques.

De qualquer forma, o assunto é muito atual. Depois do número especial de 2013 da revista The Behavior Analyst, o segundo número do volume 38, de 2015, que acaba de ser publicado, traz artigo de Linda Hayes e Mitch Fryling, traz o artigo "A historical perspective on the future of behavior science", com, entre muitos outros assuntos, o seguinte:

"Oddly enough, aftter a hundred years of asking the question "What is behavior?", the answer remains the subject of debate."


http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/rebac/article/view/2133/2436

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O que é autocontrole?

Autocontrole não é conceito nem termo técnico da Análise do Comportamento. Skinner escreveu sobre autocontrole, assim como escreveu sobre id, ego, superego, masoquismo, desejo, sublimação, etc., e nenhum deles é termo técnico da Análise do Comportamento. São termos da linguagem comum, ainda que propostos por outras abordagens da psicologia, e encontram-se definidos em qualquer dicionário. Na análise que faz desses termos Skinner os desmistifica.

“The individual often comes to control part of his own behavior when a response has conflicting consequences – when it leads to both positive and negative consequences”.

… “The positive and negative consequences generate two responses which are related to each other in a special way: one response, the controlling response, affects variables in such a way as to change the probability of the other, the controlled response”.
B. F. Skinner, Science and Human Behavior, 1953, p. 230-231.

Episódios explicados pela atuação de uma força interior hipotetizada são reinterpretados como demonstração da possibilidade de um comportamento controlar outro comportamento. Esses episódios costumam acontecer quando um comportamento pode ser ao mesmo tempo reforçado e punido, levando a um equilíbrio na probabilidade desse comportamento ocorrer ou não ocorrer. É possível diminuir a probabilidade de emissão de uma resposta punida manipulando-se algumas variáveis que tornam esse comportamento provável.  Skinner não inventou qualquer conceito novo para explicar isso. Vejamos um exemplo:

                Ao preparar uma lista de compras posso controlar meu comportamento de consumidor no supermercado. A resposta controladora é preparar uma lista, a resposta controlada é comprar. Note-se que preparar a lista não impede que eu compre algo que não devia, só diminui essa probabilidade.  Assim como eu controlo agora meu comportamento posterior no supermercado. a lista poderia ser preparada por outra pessoa, com o mesmo resultado. O controle é o mesmo, nos dois casos. Mas no primeiro o leigo diria que é uma demonstração de autocontrole. Mas nos casos o fator importante é a manipulação da variável independente, não importando o agente.

                Mais citado como exemplo de autocontrole na Análise do Comportamento, o procedimento desenvolvido por Rachlin foge à definição de Skinner, mas está de acordo com o entendimento do leigo. Trata-se de escolher entre um reforço mais imediato, mas de menor magnitude, e um reforço menos imediato (ou mais atrasado) mas de maior magnitude. A escolha “racional” seria esperar mais e ganhar mais, a escolha “impulsiva” seria preferir o reforço de menor magnitude. Mas não há resposta controladora, nem resposta controlada: não há “autocontrole” nem no sentido usado por Skinner. A escolha de uma ou de outra depende apenas dos valores relativos dos atrasos e das magnitudes, e pode ser prevista por uma equação que caracteriza a Lei da Igualação de Herrnstein, generalizada por Baum para mais de uma variável independente.
               

http://www.scielo.br/pdf/ptp/v18n3/a14v18n3.pdf

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Modelos experimentais de interações comportamento-ambiente: ansiedade, psicopatologia, autocontrole, etc.


                Analisar experimentalmente qualquer interação significa isolar para observação em laboratório essa interação (se possível), mantendo constantes variáveis potencialmente importantes, para identificar quais alterações possíveis naquele ambiente são importantes componentes da interação. Um modelo experimental clássico é o usado por W. K. Estes e B. F. Skinner, publicado em 1941 no Journal of Experimental Psychology:  “Some quantitative properties of anxiety”. Ratos trabalhavam em esquema de reforço positivo intermitente, mas de vez em quando um som era ligado segundos antes de um choque inevitável nas patas. No comportamento humano, ansiedade é um termo usado para descrever o comportamento em situações que sinalizam estímulos aversivos inevitáveis, mas isso não esgota o significado do termo quando aplicado a humanos. Seria mais adequado evitar o rótulo “modelo experimental de ansiedade” para o procedimento de Estes e Skinner. O procedimento estuda efeitos de estímulos associados a estimulação aversiva inevitável sobre o comportamento operante. E só. Daí para a frente entra a teoria e as interpretações que podem ser feitas, a partir de dados experimentais, observações na clínica, no ambiente natural, etc. como fez Ferster com a depressão (Ferster, 1973; veja abaixo link para o artigo).

Um problema nesta relação laboratório-clínica reside na ausência de clareza na comunicação. Muitas vezes usamos o mesmo nome para designar eventos ou processos diferentes. Em trabalho que deve ser publicado ainda este ano um conjunto de autores procura diminuir a confusão reconhecendo as diferenças entre conteúdo, processo e procedimento. Falamos de ansiedade como conteúdo quando descrevemos queixas de uma pessoa, falamos como processo quando interpretamos as observações à luz da teoria, e falamos como procedimento quando preparamos um ambiente experimental para estudar o papel de diversas possíveis variáveis importantes nesse processo.

Uma curiosidade: Ex-aluno de Skinner, Estes veio a ser um dos expoentes da Psicologia Cognitiva. 










Estes, W. K., & Skinner, B. F. (1941). Some quantitative properties of anxiety. Journal of Experimental Psychology, 29(5), 390.
Ferster, C. B. (1973). A functional analysis of depression. American Psychologist, 28(10), 857-870.