terça-feira, 11 de agosto de 2015

Cultura e a análise comportamental de práticas culturais.


Conceitos como o de metacontingência tornam possível tratar de assuntos culturais sem precisar recorrer a um diferente nível de linguagem. Podemos nos referir a questões sociais utilizando termos que se relacionam diretamente a contingências comportamentais. O conceito de metacontingência é um novo instrumento, um novo conceito que pode ampliar nossa compreensão de práticas culturais.
Eram de se esperar objeções à análise comportamental de práticas culturais.  Nós, analistas do comportamento, estamos tão entusiasmados com os avanços práticos no campo que tendemos a minimizar as ações deletérias da oposição. O fato é que nossa visão do homem no mundo vai contra séculos de sua glorificação como medida de todas as coisas; estamos em uma posição pós-renascentista. 
Não há como evitar as objeções à análise do comportamento levantadas por aqueles que acreditam que o homem é diferente, em sua essência, do mundo natural. Na maioria dos casos o outro lado advoga uma abordagem holística à pessoa e a palavra comportamento é vista como anátema. Em vez de entrar em uma discussão sem fim, acredito que devemos mostrar novos dados para aqueles preocupados com ações sociais, dados úteis que a análise comportamental pode produzir.
  Nesse sentido, o que deveríamos fazer é aplicar novos conceitos a problemas práticos e mostrar que eles podem ser úteis aos interessados na análise e na modificação de práticas culturais. Precisamos de mais trabalhos como os de Sigrid Glenn, Maria Malott, Joel Greenspoon, Richard Rakos, Mark Mattaini, para mencionar somente algumas contribuições memoráveis. Estaremos entrando na área da Educação, da Ciência Política, da Sociologia, da Antropologia e da Economia. Sabemos que, no passado, analistas do comportamento já cruzaram fronteiras, como Jack Michael,Teodoro Ayllon, e Luiz Otávio de Seixas Queiroz, trabalhando em hospitais psiquiátricos, e Skinner e Fred Keller buscando mudar a educação a partir de métodos analíticos comportamentais. A suposição, não testada, era a de que se poderia mudar o grupo por meio do controle das contingências para o comportamento individual; talvez possamos tirar proveito de um novo olhar para tentativas semelhantes examinando, especialmente, as que falharam.
  Por não nos preocuparmos muito com estar cruzando fronteiras, certamente provocaremos algumas reações negativas de colegas, psicólogos ou não, mas isso não será novidade para a análise do comportamento.

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Tradução feita por Maria Silvia Ribeiro Todorov de partes de um texto publicado originalmente em inglês.

sábado, 8 de agosto de 2015

Contexto e a multideterminação do comportamento.



Toda psicologia, qualquer que seja a abordagem, estuda interações comportamento-ambiente. São áreas especializadas em interações principalmente envolvendo o meio ambiente externo ou com ênfase exclusiva no meio ambiente interno. Quanto ao ambiente externo, há áreas da Psicologia especializadas no estudo de interações comportamento-ambiente externo físico (Ergonomia, por exemplo), outras voltadas para uma interação comportamento-ambiente externo social (Psicologia Organizacional). Já o ambiente interno é visto como biológico em áreas como a Psicofisiologia ou histórico, nas áreas que se ocupam de processos internos conceituais sem referência imediata a um substrato biológico  (abordagens psicodinâmicas da personalidade, por exemplo).

A decomposição do conceito de ambiente em externo, físico ou social, e interno, biológico ou histórico, é apenas um recurso de análise útil para entender-se a fragmentação da Psicologia em diversos campos e para apontar os diversos fatores que, indissociáveis, participam das interações estudadas pelos psicólogos. Sem a decomposição necessária para a análise, o todo é ininteligível; por outro lado, a ênfase exclusiva nas partes pode levar a um conhecimento não-relacionado ao todo. O jogo constante de ir e vir, de atentar para a inter-relação das partes na composição do todo é essencial para o entendimento das interações comportamento-ambiente.

A designação de uma variável como causa e de outras como contexto vai depender de quais são os interesses envolvidos no estudo, pois quando variáveis de contexto são consideradas, uma relação de causa e efeito é apenas um instrumento para a descoberta de princípios de maior generalidade. Princípios são a descrição mais econômica do conjunto de relações causais e variáveis de contexto que dão origem a eles. Um sistema de relações funcionais bem definidas resultará em uma teoria útil se também vier acompanhada de especificações de onde, no ambiente externo, as variáveis independentes e as variáveis de contexto devem ser encontradas, além de instruções sobre como detectá-las e/ou medi-las. Causas, pois, são os ingredientes primários e empíricos com os quais se constroem explicações (teorias) mais compreensivas.
Portanto, o termo “causa” tem sentido apenas dentro de uma teoria ou modelo.

Não há uma causa real de um dado evento. Há apenas modelos do mundo mais ou menos adequados, e sempre passíveis de modificação, de acordo com critérios como predição, simplicidade e generalidade, entre outros (Staddon, 1973).


O efeito de variáveis de contexto no presente se sobrepujando a disposições inerentes detectadas em outras situações é bem ilustrado pelo experimento famoso do psicólogo Phillip Zimbardo, transformado em filme comercial, “A Experiência”. Em outro experimento Darley & Batson (1973) submeteram seminaristas a um experimento inspirado na parábola do Bom Samaritano, o viajante assaltado e agredido na estrada entre Jerusalém, e Jericó, segundo a Bíblia. Os alunos do Princeton Theological Seminary primeiro foram avaliados quanto ao principal dentre os motivos que os levaram a ser seminaristas – ajudar pessoas necessitadas ou busca de realização pessoal e espiritual. A seguir se pediu que preparassem uma pequena exposição sobre um tema bíblico, a ser apresentado para uma comissão julgadora em outro prédio do campus.

Para alguns o tema foi a relevância da carreira de clérigo para a vocação sacerdotal, para outros o tema foi a parábola do bom samaritano. Antes de ir fazer a apresentação do tema cada aluno teve uma pequena reunião com os experimentadores. Para alguns a reunião foi terminada com o aviso de que já estavam atrasados para a apresentação do tema, e que deviam se apressar. Para outros se disse que a reunião estava terminada, mas eles ainda tinham algum tempo antes de fazer a apresentação no outro prédio. No caminho entre os dois prédios, deserto, havia um ator que colaborou com a pesquisa, fingindo estar passando mal, deitado no chão em um canto.


Quem parou para ver o que havia com o “doente”? Só dez por cento dos que estavam com pressa pararam para ajudar, contra 63% dos que estavam despreocupados. Para atuar como bom samaritano não foi importante nem o principal motivo pelo qual estava no seminário, nem o tema do sermão que tinha preparado.


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Darley, J., & Batson, D. (1973). From Jerusalem to Jericho: A study of situational and dispositional variables in helping behavior. Journal of Personality and Social Psychology, 27, 100119.

Skinner, B. F. (1953/2000). Science and human behavior. New York, NY: MacMillan.

Staddon, J. E. R. (1973). On the notion of cause, with applications to behaviorism. Behaviorism, 1, 25-63.

Todorov, J. C. (1989/2007). A psicologia como estudo de interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 5, 325-347.

Weatherly, J. N., Miller, K. & Mcdonald, T. W. (1999). Social influence as stimulus control. Behavior and Social Issues, 9, 2545.

Williams, B. A., Myerson, J., & Hale, S. (2008). Individual differences, intelligence, and behavior analysis. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 90, 219231.

domingo, 2 de agosto de 2015

Testes na previsão de comportamentos.


Há uma tendência cristalizada no senso comum, em nossa linguagem do diaadia, de explicar as coisas por sua estrutura. Muitas vezes essa tendência nos leva, porém, a usar o adjetivo (que descreve um comportamento) a ser usado como explicação do comportamento. Dizemos que a criança resolve rapidamente o problema porque é inteligente; que o motorista responde rispidamente ao passageiro porque é grosseiro; que a recepcionista sorri para todos os clientes porque é alegre; que alguém trabalha horas em um quebracabeça porque é persistente.

Adjetivos como esses são úteis para a psicologia apenas no sentido de que a melhor previsão do comportamento é aquela baseada em informações sobre o comportamento em condições semelhantes no passado. Um teste de habilidades mecânicas nos dá uma amostra de comportamentos que pode nos ajudar a selecionar melhor candidatos para uma função que vai exigir habilidades mecânicas no futuro; é perda de tempo, porém dizer que os melhores desempenhos no teste são devidos a alta inteligência mecânica. Isso seria explicar o comportamento pela descrição desse mesmo comportamento.

Testes psicológicos costumam ser inventários de respostas, as quais são atribuídas a classes, e, a partir da frequência relativa de certos comportamentos relatados, as pessoas recebem certos rótulos, sejam eles testes de atitudes, de opiniões ou de desempenho. Mas, como disse Skinner (1953/2000), infelizmente o comportamento é complexo, e sua explicação requer uma análise funcional. As habilidades mecânicas de um candidato ao vestibular do curso de engenharia podem ser resultado da herança genética, do ambiente no qual se desenvolveu quando criança e do ambiente com o qual interage agora – alguma combinação imensurável desses três fatores.

Como não conseguimos observar e determinar as causas em cada caso usamos os efeitos para prever outros efeitos; usamos observações de comportamentos para prever outros comportamentos (Williams, Myerson & Hale, 2008). Nada mais que isso, por mais elaborados que sejam os modelos matemáticos aí envolvidos.

Quando não é possível observar as variáveis das quais um comportamento no presente é função, testes como amostras de comportamento são úteis, mas apenas parcialmente. Um teste que faz o levantamento de tendências agressivas certamente poderá prever com mais ou menos precisão quando uma agressão vai ocorrer, mas não nos ajuda a controlar ou evitar essa agressão.

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Skinner, B. F. (1953/1967). Ciência e comportamento humano. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília.
Todorov, J. C. (2009). Motivação e Personalidade: Verbos, Advérbios e Adjetivos na Descrição do Comportamento. PsicologiaIESB, 1(2), 20-23.

Williams, B., Myerson, J., & Hale, S. (2008). Individual differences, intelligence, and behavior analysis. Journal of the experimental analysis of behavior, 90(2), 219-231.