sábado, 6 de junho de 2015

Staddon, Piaget, Lino de Macedo e a Análise do Comportamento equiparada a um marsupial.


                Na primeira edição do livro “The New Behaviorism” Staddon fez referência ao Brasil de forma um tanto fronteiriça entre elogio e gozação. Tem gente que gostou, tem gente que não gostou de ver a Análise do Comportamento aqui desenvolvida ser comparada a um marsupial. Escreveu ele que só no Brasil havia a aproximação da AC com Piaget, por exemplo, assim como só na Austrália havia marsupiais. A favor de uma interpretação positiva está o fato de Staddon ser amigo do José Lino Bueno de Ribeirão Preto, e por conta dessa amizade já ter visitado o Brasil algumas vezes. Na segunda edição, de 2014, o trecho é corrigido e não deixa dúvida. Não há mais referência a marsupiais: “A psicologia skinneriana no Brasil irradiou-se para nichos que em outros países são ocupados por outras espécies intelectuais. Assim, encontramos no Brasil uma psicologia cognitiva analítico-comportamental, uma psicologia do desenvolvimento analítico-comportamental, uma psicologia da personalidade analítico-comportamental, e assim por diante.” ... “Mas o papel do behaviorismo radical como a abordagem fundadora produziu algumas conjunções intelectuais interessantes – entre abordagens Skinnerianas e Piagetianas, por exemplo – que não são vistas nos Estados Unidos” (minha tradução deste trecho).

Staddon, J. E. R. (2014). The new behaviorism. New York, NY: Psychology Press. P. 46.

                Por coincidência, procurando por outra coisa, achei este resumo de uma apresentação na reunião anual da Sociedade Brasileira de Psicologia de 1972 (então SPRP) feita Lino de Macedo, piagetiano desde criancinha, que continuou piagetiano mesmo depois do doutorado supervisionado por Carolina Bori. Deve ser um dos primeiros documentos que comprovam o que Staddon escreveu.

NOÇÃO DE CONSERVAÇÃO: PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO E TREINO.
Lino de Macedo
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto

                Este trabalho terá três objetivos: 1o.) Descrever o “Conjunto para Avaliação do Conceito de Conservação” (Concept Assessment Kit-Conservation) de Goldschmid e Bentler (1968) e suas vantagens em pesquisas sobre a aquisição de noção de conservação; 20) Descrever um aparelho construído pelo autor, para ser utilizado numa pesquisa sobre a aquisição experimental da noção de conservação, por intermédio de um procedimento de Escolha Conforme o Modelo (“Matching to Sample”) e 30) Comparar esse procedimento com dois outros o o do Conflito Cognitivo e o da Instrução Verbal da Regra – usualmente empregados no estudo da aquisição de conservação.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Contingências Comportamentais Entrelaçadas São Partes Subentendidas da Relação Condicional na Metacontingência.


            Contingências são enunciados do tipo “se..., então...”. Descrevem relações entre eventos e são muito usadas como variável independente na Análise Experimental do Comportamento Operante e em estudos sobre o condicionamento pavloviano. Relações entre eventos como variáveis independentes também podem ser usadas no estudo experimental do comportamento de pessoas em grupo e do produto da colaboração de grupos de pessoas. A consequência é contingente ao produto da colaboração entre indivíduos, mas não ao comportamento de indivíduos isoladamente.
            O produto da colaboração, ora chamado de produto agregado, é parte do ambiente que identifica a ocorrência de contingências comportamentais entrelaçadas. Dizer que na metacontingência a consequência depende da ocorrência do produto agregado não é diferente de dizer que no operante a consequência é contingente à identificação do comportamento por seu efeito no ambiente. “Abrir a porta” é identificado pelo estímulo físico “porta aberta”, independentemente de quais comportamentos resultaram no efeito “porta aberta”, que pode ser seguido por “acesso à outra sala”, e/ou “melhora da temperatura na primeira sala”, e/ou reforço por obedecer ao mando, etc. Qualquer que seja a relação condicional, é óbvio que sem comportamento não haverá efeito; por outro lado, sem o efeito (porta aberta) não haverá consequência para os vários comportamentos que poderiam ter esse mesmo efeito. Se giro a maçaneta mas a porta não abre a temperatura da sala não muda.
            Assim entendemos a frase fundamental de Skinner ao propor o conceito de comportamento operante: os homens agem sobre o mundo (comportamento), modificam-no (efeito do comportamento, que é imediato), e são modificados (i.e., seu repertório de comportamentos é alterado) pelas consequências dessa ação (outras mudanças no ambiente, que não precisam ser imediatas nem regulares). Parafraseando Skinner, contingências comportamentais entrelaçadas (i.e., CCEs, ou colaboração entre pessoas) que resultam em um produto agregado específico (i.e., resultado da colaboração) podem levar a consequências selecionadoras. No caso mais simples, a consequência é contingente à ocorrência do produto agregado, sempre um resultado de CCEs mas independente de qual conjunto (dos vários possíveis) de fato resulta no produto agregado.
            No caso do jogo de vôlei, o produto agregado pode ser definido como passar a bola para o outro lado da rede em direção ao quadrilátero marcado no piso e evitando a defesa do time adversário. Cada time tem três toques na bola para conseguir o produto agregado; a colaboração é assegurada pela regra que proíbe um mesmo jogador de tocar na bola duas vezes em seguida. Qualquer combinação dos seis jogadores, dois a dois, ou três a três, pode levar ao produto agregado. A consequência, ponto para um ou outro time, depende do produto agregado, não de cada CCE que pode ter resultado nesse PA.
            A definição de metacontingência como relação condicional entre produto agregado (sempre produzido por CCEs) e consequência é um instrumento conceitual. Serve tanto para orientar procedimentos experimentais quanto para interpretar comportamentos de pessoas em grupos. Sua incorporação à linguagem teórica da Análise do Comportamento tem sido lenta, gradual e insegura, mas isso não é novidade, dadas as resistências no passado a conceitos novos como o de igualação (matching), contraste comportamental, contexto, momento, operação estabelecedora, autoclíticos, etc.
Vários autores muito conhecidos argumentam que o que não puder ser explicado por contingências operantes deve ser remetido ao outro nível de explicação, como a Teoria dos Jogos ou a Teoria dos Sistemas das Ciências Sociais. Minha posição é empírica e pragmática. Temos o que fazer onde houver comportamento (na Economia, por exemplo) ou o resultado de comportamentos (na Arqueologia, por exemplo).


terça-feira, 2 de junho de 2015

Da necessidade de ser epistemologicamente humilde.


                Estas reflexões são inspiradas em artigo assinado no NY Times por David Brooks, escrevendo que o Bush filho não agiu de má fé quando usou o ataque da Al Qaeda às duas torres de NY em 2001 como pretexto para invadir o Iraque (A Al Qaeda estava no Afeganistão, não no Iraque). 

Foi só um erro honesto, diz ele, e tira duas conclusões: deveríamos ser epistemologicamente humildes e reconhecer que não conhecemos tudo sobre o mundo, e, além disso, boa parte do que sabemos está errada. E mesmo por isso, nenhum país consegue mudar as características de outro (isso para explicar por que a situação do Iraque só tem piorado desde a deposição do Sadam).

                Mesmo desculpas esfarrapadas como essas podem envolver argumentações interessantes. A necessidade de se reconhecer o quanto se ignora de qualquer assunto é uma delas. No que se refere ao comportamento, também deveríamos ser epistemologicamente mais humildes, reconhecer que não sabemos tudo sobre como e por que as pessoas se comportam.

E amanhã alguém vai descobrir que boa parte do que sabemos também está errada. Deveríamos ser mais modestos em nossos objetivos quando prestamos serviços profissionais ou formulamos perguntas para pesquisas.

                Também acho que podemos mudar o mundo, mas não temos que nos meter a fazer isso sozinhos.