quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Em defesa das terapias cognitivas


Terapias cognitivas como aquelas descritas nos escritos de Beck pai e Beck filha são herdeiras de uma linhagem antiga, a Behavior Therapy, que não tem nada a ver com Skinner ou Análise do Comportamento. Apesar do nome, seu arcabouço teórico não tem qualquer relação com uma ciência natural. Apropriam-se de técnicas desenvolvidas a partir de ciência ou de prática para oferecer instrumentos destinados a alterar o aparato mental do cliente. Uma das pioneiras das chamadas TCs foi a Rational Emotional Therapy, de Ellis, que juntou conhecimentos sobre respondentes a partir de Pavlov e sobre operantes a partir de Skinner, misturou com bom senso, e comercializou a inovação.
Não vejo nada de errado com as terapias cognitivas, desde que se apresentem como são: incompatíveis com o behaviorismo que orienta a Análise do Comportamento. Não são behavioristas por definição, por crença, por preferência ideológica. Usar o adjetivo comportamental porque levam em consideração o comportamento do cliente não é justificativa para a denominação terapia cognitivo-comportamental. Todas as psicoterapias de uma forma ou de outra trabalham com comportamento, mas ainda não vi anúncios de uma terapia psicanalítica-comportamental, ou de uma terapia comportamental gestáltica, etc.
Se não querem vender gato por lebre, como acredito que não queiram, os que organizam encontros, congressos, cursos e oferecem serviços deveriam ostentar o nome terapia cognitiva sem pegar carona no comportamental. A Associação Brasileira de Análise do Comportamento (ACBr) e a Federação Brasileira de Terapias Cognitivas poderiam, fraternalmente, juntar-se no esforço de esclarecer ao público quem é quem.


segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A universidade brasileira e as verdades do Professor Dianese.

A universidade brasileira e as verdades do Professor Dianese.

            Das alegadas vinte verdades, concordo com quase todas. Há, porém, alguns exageros e pelo menos duas ou três informações erradas.

Antes da grande greve, a UnB, graças à sua renda própria, podia e legalmente pagava salários melhores do que todas as outras federais - passou a depender da tabela nacional ditada pelo Mec.

Errado. A UnB nunca pagou salários com recursos gerados por seu patrimônio. A isonomia entre universidades fundacionais ocorreu porque docentes no Acre ganhavam mais que na UnB, por exemplo. A isonomia entre fundacionais e autárquicas ocorreu porque estas pagavam salários ridículos. A médio prazo tivemos um nivelamento pela média, todas sendo tratadas como autárquicas. Do governo Sarney para cá nenhum presidente quis encarar o próximo passo: o país não tem recursos para ter 60 universidades federais de ponta, internacionalmente respeitadas, nem tem coragem de estabelecer um ranking com base em vocação e competência. As 60 competem por recursos federais amparadas por seus padrinhos políticos, como qualquer prefeitura do interior. Voltar a 1960 e tratar a UnB como fundação, nem pensar. A pressão política contrária das outras 59 seria esmagadora.

            Sobre o patrimônio da UnB, até 1985 praticamente não saiu do papel. Perderam-se nos desvãos da ditadura as ações da Rádio Nacional, por exemplo. As projeções (terrenos) para construção de edifícios residenciais e comerciais foram tratadas ora como patrimônio para renda, ora como recursos para consumo ou investimento no campus – residências para os professores não eram construídas desde 1964. A política iniciada em 1994, de troca de terreno área por construída, rendeu dividendos que propiciaram a administrações seguintes praticamente igualar com recursos próprios o que recebe do tesouro para consumo. Hoje até esses recursos estão engessados, a UnB precisa de autorização do governo para usá-los.

            O corporativismo é filho do diabo, todos sabemos. Menos quando atua em nosso favor. Sou suspeito para falar da eleição para reitor porque fui eleito no primeiro turno no sistema paritário não universal (peso de 1/3 para a votação de cada segmento – e ganhei nos três segmentos). Nossa atuação entre 1993 e 1997 não deve ter sido ruim pois o reitor eleito em 1997 e reeleito em 2001 participou da administração como decano e tinha nosso apoio. Já o sistema norte-americano de carreiras separadas de administração e docência, e escolha do reitor apenas pelo Conselho Diretor (como foi feito na UnB de 1961 a 1964), certamente teria gerado, a partir da eleição do Presidente Lula, reitores do partido do governo ou da base aliada. Que tal um pastor como reitor?

            Defensores da escolha do reitor por conselhos independentes costumam citar Harvard e outras universidades de ponta como exemplo. Mas mesmo nos Estados Unidos há universidades nas quais o técnico de futebol americano ganha mais e tem mais poder que o reitor. Conheço um caso de uma reitora que mandou cortar árvores do campus e plantou flores, para alegrar a universidade; não durou muito, porque os docentes protestaram.

Compromissos eleitorais podem levar ao mau uso do patrimônio.  A UnB deu a seus imóveis no campus, uma aplicação mais social do que acadêmica. O destino deles deveria se limitar ao uso para atrair docentes para uma cidade de alto custo de aluguéis e para abrigar estudantes - inclusive e talvez principalmente, estudantes de pós-graduação.

            Verdade. A tabela de pagamento subsidiado do aluguel de apartamentos para professores e funcionários foi atualizada pela última vez em novembro de 1993. Quando a maioria de votantes mora nos apartamentos que terão o aluguel reajustado dá nisso, como já previa a Tragédia dos Comuns.

Em segundo lugar, o futuro da universidade depende da implantação de um sistema de concurso público para docentes com um regime especial. Há que se legislar! O atual sistema tem de ser modificado.”

            Outra verdade, decorrente de serem autarquias as universidades federais. E qualquer iniciativa para tratamento diferenciado para todas as universidades federais vai encontrar rejeição feroz dos outros sindicatos de servidores públicos.

Finalmente, a indispensável inserção internacional depende de produção de alto nível. Na universidade eficaz, em todo o mundo, isto depende de estudantes de pós-graduação. Para isso, devem ser proibidas as chamadas teses de gaveta- sabe-se de situações em que se orientou uma dúzia de alunos e praticamente nada se publicou ao custo de quase um milhão de reais apenas em bolsas; pior ainda existem ainda entre nós pessoas, até coordenador de pós-graduação, que consideram um absurdo gastar dinheiro com pesquisa e publicar no exterior, como se a ciência fosse compartimentada e não pertencesse à humanidade.


            Outra verdade. Somos reforçados pelas agências de fomento pelo número de teses e dissertações que orientamos, pela participação em bancas examinadoras, mas não há qualquer consequência para não publicar essas teses e dissertações. Será que isso não gera uma baixa nos critérios para aprovação das bancas examinadoras? Que tal exigir que pelo menos um artigo seja publicado em revista de uma lista aprovada pela agência de fomento, com os nomes dos integrantes da banca examinadora em nota de rodapé?

sábado, 24 de janeiro de 2015

Análise do Comportamento e Democracia


            Qual é a democracia que queremos? Pelo menos parte da militância do partido no poder rejeita a nossa democracia como “burguesa”. Querem a variedade “socialista”. O que chamam de “burguesa” tem três características importantes, segundo o pai da Ciência Política, Nicolas de Condorcet (List, 2011): pluralismo, governo da maioria e racionalidade coletiva. Trocando em miúdos: não pode haver partido único, é preciso respeitar as minorias, ganha quem tem mais votos, e quanto mais gente votar, mais racional é a decisão.
            Esse pressuposto da racionalidade coletiva é o problema. Em tese, se em uma decisão cada pessoa tem maior probabilidade de acertar do que errar, e cada uma decide independentemente das outras, quanto maior o número de pessoas decidindo maior a chance de a decisão ser a correta. Se 60% acertam e 40% erram, no cômputo geral a decisão certa ganha com 60% dos votos.
            Na prática as decisões não são independentes. Em qualquer eleição há um percentual de leitores que não gosta de “desperdiçar” o voto. Sempre dizem que vão votar no candidato que acham que vai ganhar, e mudam de voto assim que mudam as indicações de quem vai ganhar. Há outros que esperam pela família, pelos amigos, pela igreja, pelo sindicato, e ficam com a intenção de voto do grupo mesmo quando essa intenção coletiva muda de um candidato para outro.
            Outro problema é característico de eleições em dois turnos. Digamos que o José, quando perguntado quem prefere, o candidato A ou o B, prefira o A. Entre o A e o C prefira o C, e entre o B e o C prefira o B. No primeiro turno a escolha é entre A, B, e C.  Se o José vota no candidato A no primeiro turno e para o segundo turno a escolha é entre A e C, ele pode perfeitamente mudar o voto e ser coerente, pois sempre preferiu C a A. A chance de ocorrerem essas escolhas aparentemente irracionais aumenta em campanhas onde o que se discute são características pessoais de candidatos
            Esses pontos ajudam a explicar alianças entre partidos, são fatores que vão além da necessidade de ser formar maioria no congresso com a troca de apoio por cargos (e/ou outras coisas inconfessáveis): alguns desses partidos têm tempo de propaganda na televisão e, o mais importante, um número fantástico de votos de cabresto, dos fiéis da igreja, dos associados do sindicato, dos dependentes dos coronéis dos sertões.
            O caminho para chegar à racionalidade coletiva nas decisões do povo passa pela educação.  Povo educado é povo politizado



segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Quem tem saudades da educação moral e cívica?


         No jornal Correio Braziliense de 6 de janeiro de 2015 o colunista Ari Cunha escreveu:

“Notícia publicada neste jornal dando conta de que o deputado Rogério Carvalho (PT-SE) cedeu o apartamento funcional para alojar um contingente recrutado para reforçar a claque na cerimônia de posse da presidente Dilma é reveladora. Esse partido parece que se alimenta de mercenários. Somado a isso, fica estampada a dificuldade recorrente em separar o que é público do que é privado. Situação lamentável para quem prega um Brasil como pátria educadora. Quem educou alguém sabe que o exemplo é fundamental. Dona Dilma Rousseff terá um trabalho hercúleo pela frente com parte de seu staff.”
         Até aí tudo bem, o exemplo é mesmo muito importante na transmissão de práticas culturais. A solução preconizada pelo jornalista é que complica. Ele cita o pedagogo e filósofo René Hubert: a educação é o processo contínuo de desenvolvimento das faculdades físicas, intelectuais e morais do ser humano; a integração da pessoa na sociedade depende do estado dessas “faculdades”.
         Ao jogar a causa de ajustes e desajustes sociais para dentro de cada pessoa criamos um problema insolúvel para o educador. Integração na sociedade não é uma cerimônia de passagem, um batismo, e menos ainda um vestibular. “Faculdades mentais” são abstrações que escondem um caráter básico de interação comportamento-ambiente. Sei que as faculdades físicas de um aluno estão bem desenvolvidas quando ele mostra um dos melhores desempenhos na aula de educação física. Com as faculdades intelectuais a verificação é semelhante, ainda que mais complexa e bem mais difícil. Já as faculdades morais colocam um problema impossível para os que buscam uma explicação simples dentro de cada pessoa. A neurociência já avançou o suficiente para mostrar que não há núcleos isolados controlando “faculdades”, interações comportamento-ambiente envolvem mais que estruturas neurais e vias específicas.
         A tal integração na sociedade começa com as primeiras interações mãe-bebê. A sucção reflexa do seio é herança da espécie humana, mas o sugar rapidamente se transforma em comportamento operante, uma interação satisfatória para os dois personagens desse primeiro episódio social. Se o bebê não suga a mãe sofre com o acúmulo de leite na mama; se a mãe não tem leite o bebê sofre com a fome. Nenhuma interação social permanece sem coerção se não for mutuamente satisfatória.
         Se queremos uma sociedade integrada temos que olhar para essas primeiras interações, não só as que o professor observa quando a criança já vem interagindo com seu ambiente por mais de cinco anos. A integração da criança começa no berço.


quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Práticas culturais no país do faz-de-conta.


         Diz-se que no Brasil a educação não funciona porque o professor faz de conta que ensina e o aluno faz de conta que aprende. É uma verdade terrível, em grande parte. O sistema funciona quando os comportamentos do professor são sensíveis a mudanças desejáveis nos comportamentos do aluno, e essas mudanças ocorrem em função de suas consequências para quem aprende. Essa interação depende de aprendizagem anterior: o professor aprende a ensinar na escola de formação de professores, assim como o estudante aprende a ser aluno desde o maternal.

É inócuo discutir a relação professor-aluno sem falar em repertório, palavra abominada por muitos analistas do comportamento (talvez por lembrar “adversários” famosos como Piaget e Vygotski). Para ilustrar uma questão de repertório: um bebê da classe de renda A (a Zelite do Lula) aprende para que serve um livro folheando um, ilustrado e de plástico, enquanto brinca na banheira; aprende que deve ser importante por observar pais e irmãos lendo; e é reforçado pelas histórias que ouve quando são lidos. De 0 a 3 anos o repertório desenvolvido pelas crianças é tal que aos 4 anos crianças da classe de renda E já não tem condições de competir com seus colegas da classe A.

O sistema educacional funciona como se todos os alunos chegassem ao primeiro ano com repertórios equivalentes, o que não é o caso. As interações proveitosas professor-aluno vão ocorrer para aqueles alunos mais bem preparados.


Como os Estados Unidos aprenderam, não há programa do tipo “No Child Left Behind” que dê jeito. As diferenças em repertório em geral só aumentam, aprofundando o fosso entre oportunidades de emprego e renda. Nesse contexto é irreal o que consta da constituição quando atribui a responsabilidade de educação à família e ao Estado. Sem a intervenção precoce do Estado os filhos das classes economicamente menos favorecidas continuarão à margem do futuro.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Planejamento cultural: de boas intenções o inferno está cheio.


O olho do dono é que engorda o boi. Decretos não mudam comportamento. Sem a certeza de punição não adianta campanha de marketing em todos os meios de comunicação para dizer que se correr o bicho pega. Cadê o bicho? Se o gato comeu, tchau e benção. Se o poder de polícia do governo estiver desmoralizado nenhuma lei nova pega.
Por outro lado, governos podem também incentivar de maneira positiva. Governos de qualquer partido, entre falcatruas e malfeitos, estelionatos eleitorais e conchavos, costumam acertar de vez em quando. Um exemplo disso foi o Programa Produtor de Água desenvolvido pela Agência Nacional de Águas do governo federal, planejado para remunerar quem ajudar a recompor ou a preservar o meio ambiente. No Distrito Federal a Bacia do Ribeirão Pipiripau, por sua importância para o abastecimento de água de Brasília, foi escolhida pela ANA para o início do programa no país, segundo a jornalista Ariadne Sakkis no jornal Correio Braziliense de 30 de abril de 2012. Vejamos as contingências (relações condicionais) planejadas pela política de Pagamento por Serviços Ambientais (reforço positivo como consequência de comportamentos socialmente desejáveis):
1.   Se o agricultor conservar e solo e reduzir a erosão então receberá entre R$ 30 e R$ 80 anuais por hectare.
2.   Se restaurar ou conservar Área de Preservação Permanente ou Reserva Legal, então receberá entre R$ 50 e R$ 200 por hectare de vegetação nativa plantada ou preservada.
3.   Se conservar remanescentes de vegetação nativa, então receberá de R$ 40 a R$ 160 anuais por hectare.

Como todo analista do comportamento sabe, regras e contingências só regulam comportamentos quando vigoram de fato. Alguém sabe a quantas anda esse programa? Qual é a percentagem dos milhões de agricultores brasileiros que se beneficiam dele? Quantos ministérios e secretarias estaduais e municipais devem colaborar para a efetiva implantação do programa? Se parou, parou por quê?

Voltando ao boi que engorda quando o dono vigia, o dono da lei é o povo, e é em seu nome que o legislativo faz leis, o governo governa e o judiciário manda punir desobediências. Nada vai funcionar bem se o povo não vigiar. Talvez por isso nenhum dos três poderes está realmente interessado em educar o povo.