domingo, 23 de novembro de 2014

Por uma análise comportamental da cultura.


            Se a Análise do Comportamento é a ciência das relações condicionais, qual é sua definição para “cultura”?  É o conjunto das contingências sociais que caracterizam um grupo, uma organização, uma etnia, um país, etc. Não é apenas um conjunto de práticas culturais, nem o conjunto dos produtos gerados por essas práticas. É o conjunto de relações condicionais que regulam as práticas e seus produtos.
            A seguir trechos de “Contingências de seleção cultural” (Todorov, 2012).
“Práticas culturais são mantidas por contingências socialmente determinadas que prevalecem em uma sociedade, um grupo ou em uma organização. Podem vigorar durante períodos de tempo variáveis, de alguns meses, como nas modas, a alguns séculos, como as contingências que são parte da identidade de um grupo étnico. Praticamente todo comportamento operante humano pode ser classificado como prática cultural. Mesmo comportamentos como comer, comum a todos, dependem de contingências que determinam o que e como comer. Tais comportamentos são adquiridos por regras, exposição a modelos e/ou exposição direta a contingências. Crianças são educadas de acordo com os padrões de uma cultura; vão adquirir repertórios mantidos por contingências sociais por meio de interações com a mãe, cuidadores, família, e agências controladoras como a escola e a igreja. É um processo longo que normalmente respeita o desenvolvimento biológico da criança. O controle pode ser tão sutil a ponto de não ser facilmente percebido. O estresse associado a cada nova aprendizagem modelada por contingências sociais se dilui ao longo de anos ou décadas. O caráter aversivo do controle por consequências se torna parte da vida.”  (Todorov, 2012, pp. 51-52)

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Todorov, J. C. (2012). Contingências de seleção cultural. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 8(2),49-59.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Lorismário Simonassi e a aprendizagem por canibalismo.

De Lorismário Simonassi

                               A planária que comeu a aprendizagem de outra planária.
                                                                                                                 Scrittore Traditore.

                               Existe uma grande quantidade de más informações nas academias.  Parece que na psicologia a frequência  é maior. Este tipo de divulgação é parecido com o que Sergio Porto imortalizou, lá pelos anos 60, com o título de FEBEAPÁ (FEstival de BEsteiras que Assolam o Pais). Eram sátiras que, naqueles anos, mostravam as confusões que pessoas faziam ao misturarem fatos de diversas épocas. Uma das mais famosas foi o samba intitulado por Stanislaw Ponte  Preta- pseudônimo de Sergio Porto (1968)- de Samba do Crioulo Doido. Voltarei ao samba.
                               Comumente, professores de outras áreas se aventuram a falar sobre o que não sabem. Um exemplo comumente citado é um pseudo-experimento feito com planárias por  Mc Connel (1962). Neste pseudo-experimento a uma planária apresenta-se uma luz seguida por um choque elétrico. Posteriormente só a presença da luz é suficiente para que a planária fuja da presença da luz e evite o choque.. Dá-se então a oportunidade  que planárias  canibalizem partes da planária “condicionada”. Afirma-se que a planária foi condicionada por um procedimento tipicamente Pavloviano ou Respondente. Posteriormente à planária “canibalesca” é apresentada a uma luz de mesma intensidade. Esta então passa a fugir da luz e evitar o choque. Diz-se que isto é um experimento que demonstra que a aprendizagem foi “digerida” pela planária “canibal” e que o comportamento de fugir da luz e esquivar ao choque foi transferido para a planária canibal ao ingerir o RNA da planária condicionada.
                                Alguns comentários:
1-      Não se testou previamente se a planária comelona já fugia das luzes. Não é preciso, pois estes vermes são fotofóbicos, isto é, tem respostas de fugir da presença da luz. Elas fogem também da presença de choques elétricos. Portanto se tivesse sido feita uma Linha de Base, o experimentador teria que tomar uma de várias outras possíveis decisões, a saber: 1-trocar a luz por um estímulo neutro relativo à sensitização(sensibilização) ,isto é, um estímulo que não fosse um estímulo incondicionado sensibilizador pois nos procedimentos Pavlovianos NÂO EXISTE emparelhamento de dois estímulos INCONDICIONADOS   no caso, luz/choque uma vez que já são sensibilizadores. 2- Trocar de animal, isto é , usar um animal no qual a luz não fosse um estímulo incondicionado. Por exemplo, um cachorro, pois este também teria um sistema nervoso mais evoluído do que a planária, pois nas planárias o sistema nervoso é rudimentar. Por rudimentar, define-se que possuem  “um anel nervoso ligado a cordões longitudinais ou por um par de gânglios cerebroides”, isto é, tem funções semelhantes às funções mais elementares de cérebros ainda muito pouco desenvolvidos. Exemplo, o cerebroide  das planárias é inferior ao das minhocas pois, as minhocas são anelídeos, organismos superiores aos platelmintos (planárias).
2-      Caso o teste fosse feito em Linha de Base  (cf. Sidman, 1960)  a planária “canibal” já teria apresentado o comportamento de fuga. Portanto o que esta planária comeu não foi a aprendizagem, mas sim proteína.
3-      O delineamento deveria ser feito tipo N=1,  n vezes, ou seja, fazer a sequencia de  Linha de Base → Emparelhamento de Estímulos → Linha de Base.

A despeito da vasta literatura sobre sensibilidade de estímulos (cf. Jenkins, 1977) a divulgação de achados no mínimo controversos continua a ocorrer. Até mesmo expectativas de “pílulas da aprendizagem ou memória” são ditas nas salas de aula. Não é novidade, pois foi o próprio Mc Connell que difundiu a ideia em suas apresentações lá pelos anos de 1964. Até hoje são esperadas as tais pílulas embora, estudos refutativos por falta de CONTROLE EXPERIMENTAL sejam vastos na literatura especializada.  Por exemplo, Hartry, Keith-Lee e Morton (1964) replicaram o experimento de MC Connel (1962) e concluíram que:
                                              “os resultados não provam que memória não possa ser transferidas via canibalismo, porem teorias alternativas que enfatizam ativação e sensibilização  podem ter sido as variáveis responsáveis das respostas de fuga e esquiva nas planárias canibais”.
                                              Desde 1962 até os dias de hoje as tais “pílulas de memória” não surgiram. Eu faço uma sugestão.  Se uma criança aprendeu a ler é suficiente que gotículas de sangue dessa criança sejam misturadas com água e açúcar para ser mais apetitosa e distribuída para crianças analfabetas beberem. Como existem moléculas de DNA e RNA no sangue dos organismos, o problema da leitura estará resolvido. Enquanto isto os Analistas do Comportamento irão ensinar seus filhos a ler através das técnicas convencionais ou quando muito, usar um procedimento de Aprendizagem sem Erro (cf. Terrace, 1963) ou de Equivalência de Estímulos (cf. Sidman,1982) para que seus filhos continuem aprendendo a ler caso tenham dificuldade em aprender.
                                              Voltando ao Samba do Crioulo Doido de Stanislaw Ponte Preta desejo colocar uma pequena parte:
                                  “Foi em Diamantina onde nasceu JK que,  a princesa Leopoldina arresorveu se casá. Mas Chica da Silva, tinha outros  pretendentes e convenceu a princesa a se casá com Tiradentes.”

            Enquanto a pílula não vem, aprendam o restante do samba  pode ser aprendido ou canibalizado. É muito interessante. Para terminar vou transcrever o que meu amigo João Claudio Todorov (2014) escreveu em seu Blog: “ Há pessoas que escrevem com a tranquilidade dos que são felizes porque não sabem que não conhecem o assunto”.

                Referencias

Hartry, A. L; Keith-Lee, P. and Morton, W. (1964). Planaria Memory transfer through cannibalism reexamined. Science, New Series, Vol. 146, N° 3641. (Oct. 9,) pp. 274-275.

Jenkins, H.M. (1977). Sensitivity of Different Response System to Stimulus-Reinforcer and Response-Reinforcer Relations.In Hank Davis & Harry M. B. Hurwitz. Cap. 3. New York ; John Wiley & Sons.

Mc Connel, J. V. (1962). Journal Neuropsychiatry, 3 (Suppl. 1) S 42.

Pavlov. I.P. (1927) Conditioned Reflexes . tr. G.V. Anrep.London: Oxford University Press.

Porto, S. (1968). Na Terra do Crioulo Doido: a máquina de fazer doido. Editora Sabia: Rio de Janeiro.

Sidman, M. (1960). Tactics of Scientific Research. Cap. 11. New York: Basic Books, Inc.,Publishers.

Sidman, M. & Tailby, W. (1982). Copnditioned discrimination VS matching to sample: an expansion of the testing paradigm. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 37 (1), 5-22.

Terrace, H.S. (1963).Discrimination learning with and without “errors”. Journal Experimental Analysis of Behavior, 1963, 6, 1-27.



sábado, 15 de novembro de 2014

Análise do Comportamento como ciência das relações condicionais.



“Em resumo, no campo do comportamento como um todo, as contingências de reforço que definem o comportamento operante estão por toda parte. Aqueles sensíveis a esse fato às vezes ficam embaraçados com a frequência com a qual eles veem reforço por toda parte, como os marxistas veem a luta de classes ou os freudianos o complexo de
Édipo.” (Skinner, 1966, p. 31)


            A Psicologia é o estudo de interações comportamento-ambiente, qualquer que seja a abordagem que você prefira. Todas estudam a relação entre algum processo do organismo e algum aspecto do ambiente, interno ou externo ao próprio organismo (Todorov, 1989, 1991, 2007, 2012). É nesse sentido que a palavra comportamento é usada na Análise do Comportamento – que não estuda o comportamento, estuda interações comportamento- ambiente. Não só não estuda o comportamento: especializou-se em relações que envolvem apenas dois tipos de comportamento, o respondente e o operante. Na prática há uma superespecialização em operantes (Todorov, 2012).
            Operantes e respondentes são dois tipos de relações de contingência, ou relações condicionais. Por isso podemos afirmar que a Análise do Comportamento é a ciência das relações condicionais comportamento- ambiente. Em um caso a interação estudada envolve a relação condicional entre dois estímulos (respondente), no outro a relação entre, pelo menos, um comportamento e um estímulo (operante).
            O que define um operante não é a identificação do comportamento, é a identificação da contingência operante da qual o comportamento faz parte: antecedente-comportamento-consequência (Todorov, 1985, 2002). Confundir comportamento com operante tem levado a que alguns autores definam comportamento como a interação organismo-ambiente (Todorov, 2012). Definem assim, mas eles mesmos não usam “comportamento” com esse sentido.
            Outra confusão é muito comum: efeito e consequência. Quando alguém fala, a passagem do ar pelas cordas vocais provoca um efeito no ambiente externo: ondas sonoras. A consequência do que foi falado depende da recepção desse efeito pelos receptores auditivos dos possíveis ouvintes. O efeito é um movimento do ar, a consequência pode ser a reação de outra pessoa. A mudança de alguma parte do organismo e seu efeito no ambiente são um processo, a mudança e o efeito ocorrem no tempo, mas não é esse o processo que mais interessa seja à Psicologia, seja à Análise do Comportamento. O processo é outro, aquele que envolve comportamento e ambiente, seja apenas como antecedente (respondente), seja como consequência (operante).
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Todorov, J. C. (1985). O conceito de contingência tríplice na análise do comportamento humano. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1(1), 75-88.
Todorov, J.C. (1989/2007). A psicologia como o estudo de interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 3, 325-347. Reimpresso em Todorov, J. C. (2007). A Psicologia como o estudo de interações. Psicologia. Teoria e pesquisa, 23, 57-61.
Todorov, J. C. (1991). O conceito de contingência na psicologia experimental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 7, 59-70.
Todorov, J. C. (2002). A evolução do conceito de operante. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 18(2), 123-127.
Todorov, J. C. (2012). Sobre uma definição de comportamento. Perspectivas em Análise do Comportamento, 3(1), 32-37.