Em 1966, em Phoenix, Arizona, num parque público ajardinado,
eu marcava o centroavante alemão no meio de campo. O time da Arizona State
University (extra-oficial, o soccer ainda não era esporte universitário por lá)
enfrentava, pelo campeonato do estado, o time conhecido por Luftwaffe, formado
por pilotos alemães em treinamento em uma base aérea próxima. Nosso time estava
no ataque, perdemos a bola e fui surpreendido por um chutão pra frente do beque
deles. Precisei decidir em uma fração de segundo – não iria conseguir rebater
de cabeça e o piloto alemão tinha uma saúde de velocista em olimpíada. Na
fração seguinte daquele mesmo segundo levantei o braço e segurei a bola com a
mão, como já havia feito dezenas de vezes no Brasil. Para minha surpresa, os
torcedores (ainda bem que eram poucos) e os jogadores da Luftwaffe esbravejaram.
Meus companheiros faziam de conta que não era com eles. Só eu não sabia que no
soccer dos EEUU botar a mão na bola era conduta antiesportiva (uns 20 anos
depois a FIFA decidiu que isso merecia cartão amarelo).
Lembrei-me dessa experiência com choque cultural quando vi na
capa do New York Times a foto do Fred se esparramando dramaticamente na área da
Croácia. Durante a transmissão do jogo pela ESPN os comentaristas e o locutor
americanos reagiram indignados: uma desonestidade poderia dar a vitória ao
Brasil em um jogo até então difícil. Dias depois não se fala mais do bonito gol
do Neymar, nem da bela arrancada do Oscar e seu gol de bico: assunto é a
malandragem brasileira. A notícia de primeira página continua no caderno de
esportes com foto de Rivaldo fingindo contusão em 2002. O artigo pergunta: será
que os jogadores norte-americanos também deveriam aprender a fazer isso e
esquecer a cultura do “unsportsmanlike behavior”?
O próprio jornal afirma que essa regra é tão forte na cultura
que controla os jogadores até “inconscientemente”. Isso parece valer mesmo só dentro do campo de jogo. No
futebol americano (o football deles, não o soccer) a faltas têm nomes e são
anunciadas pelo sistema de som aos espectadores – “unsportsmanlike conduct” e
“unnecessary roughness” (contato desnecessário) são faltas punidas com grande
perda de terreno. No beisebol o lançador é severamente punido quando acerta
propositalmente uma bolada no corpo do rebatedor, uma forma de tirar o jogador
do jogo. Mas lá como cá parece prevalecer aquela vontade de levar vantagem em
tudo: feio não é roubar; feio é roubar e não poder carregar. O lançador é muito
vigiado para evitar que coloque adições à bola, como goma de mascar, para
conseguir trajetórias mais imprevisíveis; por outro lado, só recentemente o
doping no beisebol e em outros esportes começou a ser levado mais ou menos a
sério. No beisebol e no tênis feminino, por exemplo, o assunto doping só
mereceu manchetes depois que o corpo de alguns atletas começou a mostrar
efeitos públicos e notórios de hormônios.
Queremos acabar com o “cai-cai”, o espalhafato das quedas
teatrais? Cartão amarelo sempre, mesmo que o atacante tenha levado uma botinada
na canela. Cartão amarelo e inversão da falta, mesmo que tenha sido penalty. Os
atacantes só cairão na área quando derrubados a pescoções.