terça-feira, 20 de maio de 2014

A enésima morte do behaviorismo.


Uma das discussões do recente “I Encontro Brasileiro de Estudantes de Psicologia” na USP referia-se à frequentemente anunciada morte do behaviorismo. A prova de que o behaviorismo não está morrendo é a própria realização desse I Encontro, de vários encontros regionais e locais, das inúmeras JACs espalhadas pelo país e dos grupos behavioristas na internet. Um behaviorista incomoda muita gente, milhares de behavioristas brasileiros incomodam muito mais.
Para seus adversários o behaviorismo é pesadelo recorrente, pois sempre volta a incomodar. Para mim não morre tão cedo, nem vai desaparecer depois de uma altamente improvável vitória total sobre seus oponentes – nesse caso todas as ciências humanas seriam behavioristas e o rótulo perderia o sentido, seria apenas sinônimo de humanas. Afinal, faz pouco mais de um século que Freud puxou o tapete dos racionalistas e furou a bolha do ego como senhor de suas ações. Lembremo-nos que 150 anos depois de Darwin o criacionismo ainda viceja e cria problemas para o ensino de biologia. Teremos ainda uns quinhentos anos até que as fichas (a do Darwin, a do Freud, e a do Skinner) caiam para as ciências humanas.
Não adianta discutir o que fazer para que sejamos aceitos. Incomodamos porque nos comportamos como ciência natural. Alguns analistas do comportamento abandonaram as esperanças nas ciências humanas e apostam na análise do comportamento como ramo da biologia, deixando de lado inclusive a psicologia como a conhecemos.  O futuro dessa aposta é incerto. Até agora a biologia importou nossas técnicas, mas não a teoria.
O cientista especializado em qualquer campo, da biologia celular à poeira das estrelas, quando deixa a proteção de sua teoria é um cidadão como outro qualquer, politicamente de direita, de centro ou de esquerda, religioso ou ateu, machista ou feminista, etc., etc. Vive em ambiente social caracterizado por contingências e regras que evoluíram ao longo de séculos ou milênios. A “agua” em que está “nadando” parece ser incompatível com o “cheiro’ do behaviorismo. Ver


Sobre a pessoa como autora de suas próprias ações, vale a pena ler Richard Rakos:


It is probably not an overstatement to suggest that a libertarian free will notion of human agency, one in which people are seen as authors of their own actions, is the heart of Western religious, philosophical, and legal understandings of moral responsibility  by which Western society articulates its ideas of justice and accountability.”

Mesmo nas hard sciences, nas ciências exatas e naturais, as teorias costumam evitar a questão do livre arbítrio, apesar dos dados e da lógica com os quais trabalham. O grande problema está no fato que esses mesmos cientistas sentem que em sua própria vida o livre arbítrio impera em suas decisões diárias. Para Rakos,


“Neither rational argument nor empirical demonstrations are likely to modify a genetically-based and culturally supported belief in free will that is widely, intimately, and repeatedly experienced and that produces highly adaptive outcomes.”

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Mais sobre os peixes, o curral e a guerra: as guerras dos preconceitos.


Já escrevi sobre as contingências sociais que regulam as interações de pessoas em qualquer grupo (uma nação, uma empresa, uma igreja, uma torcida de futebol, uma abordagem da psicologia, uma etnia, etc., etc, etc.).
Os preconceitos oferecem a oportunidade de ver como funcionam esses controles em qualquer sociedade. O exemplo do jovem americano que desiste de fugir para o Canadá tem vários paralelos, como o garoto que não ajuda um colega vítima de bullying por medo de seus colegas que comandam o bullying, ou do torcedor que não faz nada quando seu amigo chama um jogador de macaco. Nos três casos, e em inúmeros outros casos que poderiam ser citados, estão em jogo as contingências sociais  em vigor no grupo ao qual a pessoa pertence e que determinam o que é incentivado e o que é punido. Reforçamos a permanência do preconceito quando nos omitimos. Os prejuízos para as vítimas são sérios; não os ver é parte da omissão (não sentimos “o cheiro do curral”, não percebemos a “agua”).
O New York Times de 7 de maio de 2014 traz na capa matéria sobre a Ministra Sonia Sotomayor do STF americano (Supreme Court) de ascendência “latina” (um termo geralmente usado para designar pessoas que falam espanhol e não são brancas) mas americana de várias gerações. A ministra estudou beneficiada pelo sistema de cotas nas universidades. Falando dessa experiência afirmou: “Raça é importante pelas indiferenças, pelos risinhos desrespeitosos, pelos silêncios que te julgam, os quais reforçam o sentimento que incapacita: “Este não é o meu lugar”. Apesar disso a Ministra Sotomayor é favorável à manutenção das cotas nas universidades. Já o Ministro Clarence Thomas, um negro também beneficiado por esse sistema na universidade, é contra: “Quando negros ocupam um lugar de destaque no governo, na iniciativa privada ou na universidade, sempre fica a dúvida sobre que papel sua cor teve nos critérios de escolha” – uma questão que parece perseguir nosso Ministro Joaquim Barbosa no STF: se não fosse negro chegaria aonde chegou?
                Leis como a da ação afirmativa são importantes, assim como as leis que definem o racismo como crime, mas nada vai mudar se não forem respeitadas, se não houver fiscalização. Nos casos do racismo, do tratamento dispensado ao diferente, da perseguição ao mais fraco, o combate não pode ser deixado apenas aos agentes do Estado. Depende de cada um de nós. Por isso as ongs são importantes, ao canalizar esforços individuais para mudar, a médio e longo prazos, as contingências sociais que prevalecem.



quinta-feira, 8 de maio de 2014

Como saber do que fugimos?


Uma das áreas de estudo mais difíceis é a do controle coercitivo ou aversivo: o que fazemos para evitar ou fugir de situações, de pessoas, ou até (ou principalmente) de nossos próprios pensamentos. Ao contrário de situações que desejamos,  facilmente identificadas quando conseguimos o que buscamos, as que envolvem fuga e/ou esquiva podem ser de difícil entendimento. Na clínica é comum o terapeuta detectar que a pessoa está evitando falar ou mesmo lembrar-se de um assunto, mas leva tempo para que esse assunto venha a aparecer nos diálogos terapêuticos.
         Esse processo é visto de diferentes maneiras por diferentes abordagens da psicologia clínica, das que postulam causas remotas na história de vida da pessoa às que deixam esse assunto de lado e se concentram em como a pessoa vê seu presente. A interpretação dada pela Análise do Comportamento se baseia em informações obtidas em experimentos de laboratório e em observação do que acontece no ambiente natural, inclusive na clínica e na relação terapeuta-cliente.
         Em artigo publicado no Journal of the Experimental Analysis of Behavior de 1984 Deisy das Graças de Souza, da Universidade Federal de São Carlos, Antonio Bento Alves de Moraes, da Unicamp,  e João Claudio Todorov da Universidade de Brasília demonstraram que a manutenção do comportamento de esquiva independe da intensidade do estímulo aversivo sendo evitado. Há um limiar de intensidade, abaixo do qual a situação não gera fuga nem esquiva; acima desse mínimo, aumentos na intensidade são desnecessários. O comportamento é mantido regularmente mesmo com intensidades logo acima do limiar, e a situação indesejável raramente acontece.
         Outros experimentos importantes para entender o comportamento de esquiva foram publicados na década de 50 do século passado na revista Science, pelos analistas do comportamento Murray Sidman e E. Hearst.  Comprovou-se em laboratório o que a sabedoria popular guardou em ditados como “Cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça” e “Gato escaldado tem medo de água fria”: qualquer situação levemente parecida com aquela em que se viveu alguma experiência dolorosa (mesmo que a dor tenha sido sentida só na “alma”) gera fuga e esquiva. Não só fugimos, passamos a evitar.
         Quando a interação comportamento-ambiente de interesse envolve estímulos externos (como a cobra e a linguiça) o trabalho do terapeuta é facilitado. Quando nem a pessoa sabe o que a incomoda a terapia requer muito mais esforço, conhecimento e experiência do terapeuta . Por isso dizemos que a psicoterapia muitas vezes assusta quem a procura. Só é possível perder o medo do indizível falando daquilo que o esconde. O processo pode ser doloroso. Talvez por isso tenhamos a tendência de fugir ou evitar a terapia.
         Há uma piada antiga sobre um louco no hospício que vivia a estalar os dedos. Perguntado por que fazia isso respondia que era para espantar os elefantes. Ao ouvir que não havia elefantes no Brasil, os mais próximos estavam  na África, respondia: “Viu como funciona!”. Por um lado, a piada é um bom exemplo de comportamento de esquiva. O comportamento ocorre sem         que haja consequência imediata, ocorre e nada acontece. Por outro lado é ruim, pois nosso herói sabe por que faz isso. O xis do problema está em descobrir por que alguém estala os dedos ou algo equivalente quando a própria pessoa não sabe por quê.

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Hearst, E. (1960). Stimulus generalization gradients for appetitive and aversive behavior. Science, 132, 1769-1770.
Souza, D. G., Moraes, A. B. A., & Todorov, J. C. (1984). Shock intensity and signaled avoidance responding. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 42, 67-74.