quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Quem inventou o "cantinho do castigo"?

Quem inventou o “cantinho do castigo”?
            O uso do timeout na vida diária tem sido atribuído à popularização de procedimentos terapêuticos originados na Análise do Comportamento. Ferster e Skinner (1957) usaram e definiram o termo  em seu enciclopédico livro sobre esquemas de reforço. Ferster também  o usou logo a seguir (Ferster, 1957). Em português os primeiros trabalhos envolvendo o conceito são de 1971; dada a dificuldade de usar um só termo que traduza o sentido, traduziu-se a definição: suspensão discriminada da contingência de reforço (Todorov, 1971). Obviamente a tradução não “pegou”, e ainda menos sua sigla – SDCR. Adotamos de tal maneira o timeout do inglês que já sugeri (brincando) seu aportuguesamento: taimaute.
            Um trabalho recente, exaustivo, sobre as primeiras publicações em Análise Comportamental Aplicada mostra que o timeout não foi inventado pelo Ferster. Morris, Altus e Smith (2013) argumentam que a prática é muito antiga:
            “Como um termo do vernáculo e como prática a origem de timeout ocorreu nos meados de 1800, quando significava um intervalo no trabalho ou nos esportes. Como prática no sentido moderno, é anterior à Análise do Comportamento. Provavelmente os pais já mandavam a criança se recolher a seu quarto como consequência de comportamento indesejado desde que as crianças passaram a ter seus quartos.”  (Morris, Altus e Smith, 2013, p. 87).
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Ferster, C. B. (1957). Withdrawal of positive reinforcement as punishment. Science, 126. 509.
Ferster, C. B., & Skinner, B. F. (1957). Schedules of reinforcement. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall.
Morris, E. K., Altus, D. E., & Smith, N. G. (2013). A study in the founding of Applied Behavior Analysis through its publications. The Behavior Analyst, 36(1), 73-107.

Todorov, J. C. (1971). Análise experimental do comportamento de escolha: algumas considerações sobre método em psicologia. Ciência e Cultura, 23, 585-594.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Qualquer forma de controle incomoda


            Um editorial da Folha de São Paulo de 19 de janeiro e um artigo na página de opinião do Correio Braziliense do dia anterior tocam num ponto sensível de todos nós: o desejo de não ser controlado. O editorial da Folha critica o uso do nudge (empurrãozinho) popularizado por dois psicólogos americanos por ser uma forma de controle. Parece partir do pressuposto que vivemos todos senhores de nossos destinos, no paraíso do livre-arbítrio: fi-lo por quer qui-lo, como diria o ex-presidente Jânio Quadros.  Trata-se de uma jóia do pensamento leigo, com pouco abrigo nas ciências sociais e na psicologia. Uma das tarefas da Análise do Comportamento é exatamente o de denunciar as formas de controle coercitivo nas quais se baseiam boa parte das sociedades modernas. Como disse Ortega y Gasset, nós somos nós e nossas circunstâncias; quando essas circunstâncias são controladas pela burocracia do Estado, o controle acontece via coerção, mesmo que essa coerção ocorra pela ameaça de retirada de algo do qual necessitamos. Controlamos e somos controlados em nossas relações pessoais, muitas vezes por ameaças veladas.
            Qualquer forma de coerção é ruim: coerção sempre gera propensão para fuga do assunto, da pessoa, do lugar, etc., e esquiva de oportunidades futuras de situações que possam ser coercitivas. A obrigação do analista do comportamento é socializar o que sabe sobre tipos de controle, e avisar aos navegantes: não há escapatória. A única saída é reconhecer que controlamos e somos controlados, e procurar fazer isso da forma mais amena possível. De preferência sem punição. Nesse ponto, o empurrãozinho da Folha é um achado para o Estado democrático quando precisa mudar comportamentos dos cidadãos para o bem deles e de toda a sociedade. Vejamos dois dos exemplos mais conhecidos de nudge: alimentação das crianças na cantina da escola e plano de previdência para garantir proventos na aposentadoria.
            Obesidade na população é um problema sério de saúde pública nos Estados Unidos e começa a ser também no Brasil. Uma das maneiras de se controlar a obesidade nas crianças seria controlar o que comem enquanto estão aos cuidados do Estado, na escola. Uma das maneiras de fazer isso seria só oferecer alimentos saudáveis na cantina. No país do individualismo  e dos direitos do cidadão esse tipo de controle é visto como intromissão indevida do Estado. A alternativa é continuar a oferecer a junk food tradicional (à base de trigo, carne e batata) e alternativas saudáveis. O conceito de nudge sugere colocar os alimentos saudáveis mais à vista, sem necessariamente esconder a batata frita, aumentando a probabilidade de que a criança se alimente melhor. Esse é o controle sutil condenado pelo editorial da Folha de São Paulo, como se fosse o primeiro passo em direção ao estado totalitário, ignorando-se tudo o que fazem os ministérios da saúde dos países em suas campanhas da saúde coletiva, muitas vezes coercitivas. A bem dizer, o nudge é um passo  em direção a menos controle, não mais.
Aposentadoria é assunto que tem tudo a ver com pesquisa básica em Análise Experimental do Comportamento e em Economia. É um exemplo de escolha intertemporal, ou autocontrole. No Brasil a contribuição para o fundo de aposentadoria é compulsória para empregados de empresas ou funcionários públicos, o governo já retira essa parte dos contracheques. Essa contribuição não é compulsória nos Estados Unidos. Empresas têm seus fundos de aposentadoria e o empregado contribui se quiser. O que se verifica é que  a adesão aos fundos é menor quando o empregado precisa pedir para participar do plano, quando comparada com a situação em que a contribuição é descontada em folha de todos os empregados, menos daqueles que pedem para não participar. Em nenhum dos casos se pode dizer que há coerção, mas o benefício a longo prazo é mais provável quando a pessoa precisa afirmar que não quer esse benefício.
            Nudge é uma forma de controle, é certo. No artigo do Correio Braziliense o jornalista André Gustavo Stumpf escreveu: “A luta do cidadão contra o Estado é constante, diária e impossível de ser conciliada. No pequeno espaço de minha autonomia, que começa nas restrições da gramática e termina no patrulhamento político, há algum espaço para o movimento”. Formar cidadãos é  cultivar esse “pequeno espaço” que nos permitem nossas escolhas passadas. Parafraseando Ortega y Gasset se poderia dizer: eu sou eu e as escolhas que eu fiz, pois eu faço minhas escolhas e minhas escolhas me fazem. Quanto mais soubermos sobre como nos controlam mais chances teremos de fazer melhores escolhas.