terça-feira, 31 de agosto de 2010

PORQUE ANÁLISE DO COMPORTAMENTO NÃO É SÓ ANÁLISE EXPERIMENTAL DO COMPORTAMENTO.

Não há sentido, em discutir análise experimental do comportamento sem primeiro falar de análise do comportamento. E para entender-se análise do comportamento é necessário examinar algumas das premissas sustentadas por Skinner e associados e aceitas por aqueles que se denominam analistas do comportamento. Vejamos algumas dessas premissas:

"Os homens agem sobre o mundo, modificam-no, e, por sua vez, são modificados pelas conseqüências de sua ação". (Skinner, 1957/1978, p.15)

"A psicologia... é o estudo da interação entre organismo e ambiente". (Harzem e Miles, 1978, p.47).
"Através de análise, os psicólogos chegam aos conceitos de estímulo e resposta. Um estímulo pode ser provisoriamente definido como 'uma parte, ou mudança em uma parte, do ambiente', já uma resposta pode ser definida como 'uma parte, ou mudança em uma parte, do comportamento. Devemos reconhecer, entretanto, que um estímulo não pode ser definido independentemente de uma resposta". (Keller e Schoenfeld, 1950/1966)

Com estes pressupostos, e sem descartar a priori quaisquer fontes de informação, a análise do comportamento desenvolveu-se como uma linguagem da psicologia, aperfeiçoou métodos de estudo para questões tradicionais da psicologia, abriu novos campos de pesquisa e gerou tecnologias em uso por toda parte. Já se escreveu muito sobre os métodos da análise do comportamento, e as descrições são aproximadamente as mesmas, variando apenas na ênfase dada a estes ou aqueles aspectos (e.g., Skinner, 1980; Honing, 1976; Honig & Staddon, 1977; Lattal & Chase, 2003; ). Tais métodos são utilizados por um grupo de pesquisadores, um grupo de dimensões razoáveis, que vem crescendo desde os anos 50.
Como resumido por Honing (1966), seus métodos de trabalho na pesquisa caracterizam-se pela utilização conjunta dos seguintes aspectos quando o trabalho é de análise experimental:
1- Estudo intensivo do comportamento do indivíduo.
2- Controle estrito do ambiente experimental.
3- Uso de uma resposta repetitiva que produz pouco efeito imediato no ambiente.
4- Meios eficazes de controle do comportamento do sujeito.
5- Observação e registro contínuo do comportamento.
6- Programação de estímulos e registro de eventos automáticos

É interessante notar que as características dos métodos utilizados geralmente referem-se apenas à análise experimental do comportamento animal. Essa caracterização é falha, e por vários motivos:

1- Não há sentido em descrições que confundam análise do comportamento com análise experimental do comportamento animal. Ao apontar as virtudes destas, Skinner foi claro:

"O comportamento humano se caracteriza por sua complexidade, sua variedade, e pelas suas maiores realizações, mas os princípios básicos não são por isso necessariamente diferentes. A ciência avança do simples para o complexo: constantemente tem que decidir se os processos e leis descobertos para um estágio são adequados para o seguinte. Seria precipitado afirmar neste momento que não há diferença essencial entre o comportamento humano e o comportamento de espécies inferiores; mas até que se empreenda a tentativa de tratar com ambos nos mesmos termos, seria igualmente precipitado afirmar que há".(Skinner, 1953/1967 p.47)

Uma análise experimental do comportamento animal é, então, uma parte, e não necessariamente a inicial, do trabalho. E não é um fim em si mesma.

2- As caracterizações normalmente ignoram análise conceitual como parte de uma análise do comportamento. Entretanto, é fácil constatar o quanto da contribuição de Skinner à psicologia tem a ver com o que Harzem e Miles denominam "o comportamento lógico dos conceitos". Veja-se, por exemplo, além de "Ciência e Comportamento Humano", "Sobre o Behaviorismo", e os trabalhos de Evalyn Segal (1977), de George Robinson (1977), de Emílio Ribes (2003) e de Sigrid Glenn (2003)..
3- Muito do progresso obtido pela análise do comportamento deve-se a análises funcionais não experimentais. Seguramente, mais da metade dos escritos de Skinner refere-se a análises funcionais não-experimentais, isto é, à identificação (ou tentativa) de variáveis dependentes e independentes, e de processos de interação em exemplos de comportamento humano. Veja-se como ilustração, as seções "O indivíduo como um todo", "O comportamento de pessoas em grupo" e "Agências controladoras", em "Ciência e comportamento humano" (Skinner, 1978) e o livro "Contingências de reforço (Skinner, 1980).
4- A análise do comportamento já não pode ser resumida ao "grupo do Journal of the Experimental Analysis of Behavior". Mesmo os trabalhos de análise experimental animal não são, há mais de 15 anos, exclusividade dessa revista, e nunca o foram totalmente. No momento, os trabalhos lá publicados representam apenas uma pequena parcela do que se publica em outras revistas, especializadas ou não em análise do comportamento, e em várias línguas.
5- Intentos de caracterização da análise do comportamento muitas vezes confundem aspectos com análise com idiossincrasias do analista. Os trabalhos de Skinner, por exemplo, podem ser vistos sob diferentes prismas: há trabalhos de análise experimental, de análise conceitual, de análise funcional não experimental, e há trabalhos de prescrição moral. Poucos analistas do comportamento admitiriam, entretanto, que prescrições morais caracterizam a análise do comportamento.
6- Questões ideológicas muitas vezes confundem caracterizações da análise do comportamento, especialmente quando o aspecto ideológico não é explicado. Vale ressaltar que isso quase sempre acontece quando se discute a resolução de problemas práticos por psicólogos que se utilizam de uma análise do comportamento. Neste ponto, devemos admitir que a ideologia dominante em uma sociedade dirige tanto os esforços de pesquisa quanto os de aplicação. Quando questões ideológicas não são explicitadas e analisadas, corremos o risco de confundir pressupostos básicos da análise do comportamento com características ideológicas de uma determinada sociedade.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A morte do behaviorismo

O behaviorismo tem sido dado como morto e enterrado por muitos autores nos últimos cinqüenta anos, especialmente com o advento da Psicologia Cognitiva. Em seu livro "Behaviorism and the limits of scientific method", Mackenzie fala do behaviorismo no passado, apesar de conceder sua grande importância na psicologia moderna. Mas atribui sua importância ao fato de haver falhado ao tentar construir uma ciência da psicologia pelo uso de regras e procedimentos detalhados e explícitos, os quais seriam resultado das análises mais rigorosas e sofisticadas da lógica da ciência. Mackenzie trata o behaviorismo como um movimento, o que é, no mínimo, uma temeridade. Diz que o behaviorismo baseou-se grandemente em uma abordagem agressivamente objetiva dos problemas da psicologia (estaria falando só de Watson ou de Tolman também?); que ganhou o apoio da maioria dos psicólogos que tiveram contato com ele (esquecendo-se de mencionar quais psicólogos, quais lógicos, em qual época, e sobre quais aspectos dos vários behaviorismos); que continuou a atrair novos adeptos e a desenvolver novos métodos de investigação durante os quarenta ou cinqüenta anos nos quais dominou a psicologia, gerando enorme quantidade de pesquisas cuidadosas e sofisticadas e, sem contudo, produzir um corpo significativo de conhecimento científico duradouro que possa ser comparado ao que se verifica em outras ciências (não especifica o que quer dizer com "um corpo significativo de conhecimento científico; seria uma teoria axiomatizada, como a física atômica ainda não tem?). Mackenzie continua para afirmar que, como não produziram resultados em larga escala, as grandes teorias behavioristas foram praticamente abandonadas (desde quando se pode jogar Hull e Skinner no mesmo balaio?).
A análise do comportamento, que não se limita à análise experimental do comportamento, origina-se de uma posição behaviorista assumida por Skinner por motivos mais históricos que puramente lógicos. Skinner parte da constatação de que há ordem e regularidade no comportamento. Um vago senso de ordem emerge da simples observação mais cuidadosa do comportamento humano. Estamos todos continuamente analisando circunstâncias e predizendo o que os outros farão nessas circunstâncias, e nos comportamos de acordo com nossas previsões. Fosse possível, isto é, se as interações entre os indivíduos fossem caóticas, simplesmente não estaríamos aqui. O estudo científico do comportamento aperfeiçoa e completa essa experiência comum, quando demonstra mais e mais relações entre circunstâncias e comportamentos, e quando demonstra as relações de forma mais precisa (Skinner, 1953/1967).
Quando Skinner explicitou um programa de trabalho para o desenvolvimento de uma ciência do comportamento, previu uma análise experimental do comportamento como um dos aspectos de um empreendimento maior. Vejamos o que diz em "Ciência e comportamento humano", publicado originalmente em 1953 (Skinner, 1953/1967):

"As variáveis externas, das quais o comportamento é função, dão margem ao que pode ser chamado de análise causal ou fundamental. Tentamos prever e controlar o comportamento de um organismo individual. Esta é a nossa 'variável dependente' - o efeito para o qual procuramos a causa. Nossas 'variáveis independentes' - as causas do comportamento - são as condições externas das quais o comportamento é função. Relações entre as duas - as 'relações de causa e efeito' no comportamento - são as leis de uma ciência" (Skinner, 1953/1967, p.45).

Para Skinner, o material a ser analisado provém de muitas fontes, das quais a análise experimental do comportamento é apenas uma delas. Skinner aponta a utilidade de observações casuais, observação de campo controlada, observação clínica, observações controladas do comportamento em instituições, estudo em laboratório do comportamento humano, e por fim, estudos de laboratório do comportamento de animais abaixo do nível humano.
REFERÊNCIAS

Harzem, P. & Miles, T.R. (1978). Conceptual issues in operant psychology. Chichester, Inglaterra: Wiley.
Mackenzie; B.D. (1977). Behaviorism and the limits of scientific method. Atlantic Highlands, N.J., Humanities Press.
Skinner, B. F. (1953/1967). Science and human behavior. New York: McMillan. Tradução para o português de J. C. Todorov & R. Azzi, Ciência e comportamento humano. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1967.

domingo, 22 de agosto de 2010

O curso introdutório de analise do comportamento na UnB.

O primeiro curso de analise do comportamento na Universidade de Brasília começou em agosto de 1964 com o nome de Introdução a Analise do Comportamento 1, continuando com o IAEC 2 em março de 1965. O grupo original liderado por Fred Keller e Carolina Bori se dissolveu, mas o IAEC 1, o semestre introdutório para o qual o PSI foi desenvolvido, sobreviveu. Hoje em quase todos os cursos de psicologia no Brasil há alguma versão dele. Em muitos casos é o único contato que o aluno tem com a análise do comportamento durante os cinco anos de seu curso. Com freqüência, os alunos são expostos apenas aos primeiros capítulos de Ciência e Comportamento Humano, juntamente com capítulos do K&S ou de algum de seus sucedâneos (Baum, 1994; Catania, 1998; Millenson, 1967), em um curso de um semestre apenas. Mais recentemente tem crescido o uso de um livro novo, Princípios Básicos de Análise do Comportamento (Moreira & Medeiros, 2007). A experiência com o IAEC 2, o segundo semestre baseado inteiramente em dados sobre o comportamento humano e na segunda metade de Ciência e Comportamento Humano, se perdeu.
Partes do livro são usados, contudo, em diversas outras disciplinas, de psicologia
do desenvolvimento à psicologia organizacional. À medida em que a análise de práticas culturais torna-se matéria de interesse para os analistas do comportamento (Biglan, 1995; Guerin, 1994; Lamal, 1997; Sidman, 1989), Ciência e Comportamento Humano continuará a ser uma inspiração para os interessados em todos os aspectos do comportamento social humano. Na verdade, as seções sobre as agências controladoras são mais relevantes agora do que no século passado. Skinner estava escrevendo sobre o governo durante os primeiros anos da Guerra Fria. É interessante notar que, ao contrário de obras de ficção da época sobre governos totalitários (Orwell, 1949, por exemplo), Skinner analisa controles e contra-controles durante o funcionamento imperfeito de sistemas democráticos -- imperfeitos na medida em que um sistema democrático envolve um balanceamento contínuo de controles e contra-controles. As ditaduras, por outro lado, desenvolvem todos os esforços para tornar difícil o contra-controle.
As análises de Skinner tratam do funcionamento de governos democráticos, de
convivência sem coerção, mas no Brasil seu nome acabou associado politicamente com a direita, em grande parte pela publicação da tradução de seu livro Beyond Freedom and Dignity (Skinner, 1971). O título original do livro já é terrivelmente enganoso (Além da Liberdade e da Dignidade). Permite a interpretação de que o autor trata os conceitos de liberdade e dignidade de maneira negativa, se não pejorativa. A tradução para o português foi um desastre: O Mito da Liberdade. Com esse título muitos odeiam o livro mesmo sem ter lido, o que é uma pena. Quem tinha lido Ciência e Comportamento Humano não se deixou assustar pelo título original, pela tradução, nem pelas reações de quem não leu. A essência democrática de Skinner já estava neste livro.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Quem é behaviorista radical?

Não vejo sentido hoje em textos que se identificam com o behaviorismo radical. O adjetivo foi usado por Skinner para afirmar-se contrario a posições de teóricos como Boring. No presente século não há behaviorismos outros que não o skinneriano. Falar em radical só complica o ouvinte. O texto a seguir, que poderia ter por titulo "Porque Não Sou Um Behaviorista Radical", se apóia em minhas publicações anteriores e em artigo em preparação.
A análise do comportamento não é uma área da psicologia, mas uma maneira de estudar o objeto da psicologia. Este trabalho traduz uma visão pessoal e tenta esclarecer os significados dos termos "behaviorismo", "análise do comportamento" e "psicologia". Para tanto recorremos a Harzem & Miles em "Conceptual Issues in Operant Psychology" (1975). O termo "behaviorismo" tem sido utilizado de diversas maneiras e de tal modo que se pode afirmar que há muitas variedades de significado para ele. Desde o manifesto de Watson, muitas características foram atribuídas ao termo. Muitas delas perderam-se no tempo ante críticas irrespondíveis, outras permanecem. Para Harzem e Miles a palavra behaviorismo tem uma "família de significados", e por isso, além de desnecessário, é um equívoco esperar-se encontrar o seu "verdadeiro" significado. Portanto, a menos que se faça a distinção entre as diversas variedades de significado, não é útil proclamar-se "a favor" ou "contra" o behaviorismo.
Harzem e Miles utilizam uma classificação defendida por Mace (1948) para as variedades de behaviorismo: metafísico, metodológico e analítico. O behaviorismo metafísico afirma que mentes ou eventos mentais não existem; o behaviorismo metodológico afirma que se mente ou eventos mentais existem, não são objetos apropriados para o estudo científico; e o behaviorismo analítico afirma que os enunciados feitos com o propósito de se referir à mente ou eventos mentais tornam-se, quando analisados, enunciados acerca do comportamento. Harzem e Miles argumentam que as discussões sobre o behaviorismo metafísico e o behaviorismo metodológico são o resultado de erros conceituais, e que tanto a aceitação quanto a rejeição de um ou de outro são igualmente (e logicamente) injustificáveis. O behaviorismo analítico é diferente dos outros dois tipos porque suas proposições têm caráter claramente conceitual. A tese central afirma que sentenças a respeito de mentes e eventos mentais requerem uma tradução para sentenças sobre o comportamento. O behaviorismo analítico, neste sentido, é uma proposta conceitual: não é uma teoria sobre o que deve ser estudado, nem é um conjunto de instruções sobre como se deve ser estudado, nem é um conjunto de instruções sobre como se deve fazer pesquisa.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Dedicatoria de Skinner a Keller no livro Ciencia e Comportamento Humano.

Caro Fred,

Se estivéssemos no século 18, eu poderia ter escrito uma dedicatória que seria entendida por qualquer pessoa. Como não é esse o caso, eu posso apenas falar à deux (a dois).“Para F. S. KeIler” significa “Obrigado por muitas coisas” - no fim dos anos vinte pela única brisa de behaviorismo em Harvard — nos anos trinta por nunca faltar com o apoio e por reforços muito necessários (o que o leigo, coitado, pode apenas chamar de fé) - e nos quarenta por mostrar como uma ciência do comportamento pode ser ensinada. “Ciência e Comportamento Humano” pôde ser escrito somente porque “Princípios de Psicologia” de KeIler & Schoenfeld foi publicado primeiro.

Um brinde aos anos 50 e 60!

Burrhus

Fevereiro de 1953

A dedicatória acima reproduzida (com minha tradução) foi escrita por Skinner em uma das primeiras cópias de seu livro recém lançado (Skinner, 1953). Tenho esse exemplar graças a Mrs. Frances Keller (Dona Frances) e seu filho, John V. Keller. A dedicatória de Skinner a Fred Keller mostra a importância da amizade deles para o desenvolvimento intelectual e científico de ambos. Princípios de Psicologia (Keller & Schoenfeld, 1950) foi um marco na história da análise do comportamento, tendo preparado o terreno para Ciência e Comportamento Humano (Skinner, 1953/1967). Naturalmente, esses livros foram dos primeiros a serem traduzidos para o português. No quadragésimo aniversário da publicação de Princípios de Psicologia (K&S) escrevi sobre sua importância para a introdução do behaviorismo no Brasil (Todorov, 1990).