sexta-feira, 1 de abril de 2016

O bode a e intolerância.



  
                Assim como a tolerância para com o diferente, nossos valores nos são dados pelas pessoas com as quais convivemos a partir do nascimento. São esses valores que podem nos levar a escolher dirigentes capazes de, entre outras coisas “criar clima de harmonia entre todos”.

O BODE
                Admitamos que não foi de caso pensado. O Cunha foi eleito pelo baixo clero da Câmara por soberba e incompetência política de quem tinha a maioria. Vontade de hegemonia muitas vezes dá nisso. A situação lembra a história do bode na sala, pois a rejeição ao Cunha veio a calhar.

                Há no folclore político a lenda do camarada russo, fiel militante do partido único, que morava com a mulher e os filhos em um apartamento de quarto e sala cedido pelo partido. De tanto insistir para receber autorização para se mudar para um apartamento maior sem receber resposta o camarada finalmente foi chamado para receber nova missão: manter e cuidar de um bode na sala de seu quarto-e-sala.

                O bode na sala mudou completamente vida do camarada. Se antes a mulher e os filhos não paravam de dizer que queriam se mudar para um apartamento maior, agora tinham nova e mais urgente reivindicação: tirar o bode da sala.

O BODE EXPIATÓRIO

            Pois não é que tem muita gente que se esqueceu de pedir o impedimento da presidente depois que foi iniciada a campanha “Fora Cunha”? Estão até pedindo ao STF que atue como o coletivo da história e retire o Cunha, perdão, o bode, da sala. Mesmo os militantes que constrangidos repetiam que pedalada não é crime agora ficaram felizes com a tarefa de ajudar a tirar da presidência da Câmara um político no mínimo cara de pau.

                Sobre pedalada não ser crime: se fosse, a presidente seria julgada pelo STF. Mas pode ser crime de responsabilidade, a ser conferido pelo Congresso, como previsto na Constituição. O único golpe à vista é o publicitário, com novo ataque da novilíngua: se for contra nós, impeachment é golpe. Esse investimento em propaganda para desviar a atenção da militância gera o clima de conflito e intolerância, vermelhos contra amarelos, radicalizado: tudo o que não for vermelho por definição é amarelo. O país não merece esse clima de guerra.

A INTOLERÂNCIA

                Indivíduos pacíficos e tolerantes são formados por ambientes acolhedores a partir da concepção: mulheres grávidas que bebem demais, que fumam demais, que sofrem demais, viciadas em tóxicos, ou que sejam acometidas por certas doenças, não fornecem a seus futuros bebês ambientes necessários para seu pleno desenvolvimento.

                Práticas culturais para a socialização da criança baseadas em coerção não geram indivíduos nem pacíficos nem tolerantes. Muitas escolas começam a agredir a criança a partir de sua arquitetura, em ruínas, sujas, desconfortáveis, e de sua exposição a interações baseadas em fuga e esquiva: o bullying é mais frequente do que se pensa, e tem as mais diversas formas.

                Quem faz o indivíduo é o coletivo, formado por indivíduos também formados por outros coletivos anteriores. Práticas culturais que definem um grupo são transmitidas por meio de regras, exemplos e exposição direta a consequências. A criança sendo socializada hoje será o socializador de amanhã.

Paz não é apenas a ausência de guerra entre os países. Paz é garantir que todas as pessoas tenham moradia, alimento, roupa, educação, saúde, amor e compreensão. Paz é cuidar do ambiente em que vivemos, garantir a qualidade da água, o saneamento básico, a despoluição do ar, o bom aproveitamento da terra. Paz é buscar serenidade dentro da gente para viver com alegria. Paz é a capacidade de se criar clima de harmonia entre todos, lembrando-se sempre de que onde existe amor, existe paz”. (Texto entre aspas é de Isaac Roitman, da Academia Brasileira de Ciências).

                Assim como a tolerância para com o diferente, nossos valores nos são dados pelas pessoas com as quais convivemos a partir do nascimento. São esses valores que podem nos levar a escolher dirigentes capazes de, entre outras coisas “criar clima de harmonia entre todos”.