quarta-feira, 22 de julho de 2015

Análise do comportamento e o dogma da preguiça.


                Com esse título o economista Paul Krugman escreveu recentemente coluna em jornal chamando a atenção dos leitores para a existência de certos dogmas por trás do que políticos falam em público. São parte de um conjunto de crenças básicas que não são postas em discussão. Informações, fatos, comprovações, tudo o que contradizer o dogma não é contabilizado. Como na velha piada, se o dado contrariar minha teoria, jogue o dado fora.
                Um desses dogmas é o da preguiça. Os pobres são pobres porque são preguiçosos, e os programas do governo que transferem renda sem contrapartida transformam os desempregados em parasitas que vivem à custa do povo. Essa é uma crença bastante difundida na sociedade, em todas as classes de renda. Por isso políticos do Partido Republicano nos Estados Unidos querem acabar com programas como o de auxilio alimentação e o de auxílio a desempregados. No Brasil o equivalente é a rejeição ao Bolsa Família. Atacam o programa como se fosse feito para dar o dinheiro do povo trabalhador a vagabundos e preguiçosos. Há, porém, uma diferença fundamental nos dois tipos de programa de transferência de renda. Na Análise do Comportamento identificamos como não contingentes os que não exigem contrapartida, e contingentes os que especificam algum comportamento ao qual o auxílio é condicionado, sempre um comportamento socialmente desejável, como aprender um ofício, frequentar a escola, vacinar as crianças, manter-se saudável, etc.
                Os programas de renda não condicionada, como os esquemas de reforço não contingentes, têm a desvantagem de não orientar o cidadão. Recebem o auxílio alimentação os que ganham muito pouco, e nada é feito para que consigam melhor salário. Ou o programa tem uma data limite para terminar ou o trabalhador vai continuar recebendo o benefício anos a fio. Já o auxílio desemprego brasileiro tem um limite, mas é não contingente (não há relação condicional) por x meses apenas. Depois os beneficiários devem comprovar que estão procurando emprego – nesses casos os que criticam o auxílio preveem que o desempregado só vai procurar emprego no último mês da vida mansa. A crença de que esses programas geram dependência e produzem preguiçosos é mantida por um arranjo perverso de relações condicionais: uma crença muito arraigada precisa de pouquíssimas comprovações para se manter ante um mar de contradições. Uma conversa com o motorista de táxi que tem um cunhado que vive do salário desemprego e detesta procurar trabalho passa a ser repetida como argumento para acabar com o programa que sustenta vagabundos.
                Já os programas de renda condicionada têm um objetivo, e devem terminar quando o objetivo é alcançado. O programa pode ser permanente, mas o beneficiado não.

                Não podemos esquecer, entretanto, que qualquer programa, condicionado ou não, exige fiscalização. Sem isso a lei não passa de um conjunto de boas intenções.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Transferência condicionada de renda, contingências e outras relações condicionais.
               
Alguns amigos do Facebook reclamaram de meu apoio a um projeto que estabelece uma contingência no programa Bolsa Família (ex-Bolsa Escola) entre trabalhar e receber o benefício (dinheiro). Acho que está na hora de avisar aos que não gostam do behaviorismo:

1 – O Bolsa Família é um programa de transferência condicionada de renda. Quem não acreditar deve ler o texto da lei.

2 – Transferência condicionada de renda quer dizer: o benefício é contingente ao comportamento prescrito na lei.

3 – Contingência é uma relação condicional: se comportamento, então benefício (consequência).

4 – O Bolsa Família define uma contingência complexa, que varia de acordo com o número e a composição de cada família. Trabalha com um Produto Agregado, que para uma determinada família pode ser a conjunção, durante o mês, de criança na escola, bebê sendo vacinado, grávida comparecendo para consulta no posto de saúde. O total dos benefícios para a família é entregue à mãe (dona de casa) mensalmente, sempre que o Produto Agregado for atendido em seu total, e é suspenso de acordo com um processo que tenta ser mais educativo que punitivo.

5 – Skinner não inventou a contingência, só deu nome a ela e mostrou como podemos ser mais eficientes e eficazes, com menos coerção, quando a sociedade decide que alguma prática cultural tem que ser mudada.

6 – Transferências condicionadas de renda são usadas hoje em muitas e diferentes situações, desde programas de recuperação de dependentes de drogas à prevenção do comportamento criminoso em adolescentes.




Análise custo-benefício de práticas culturais

Práticas culturais não mudam facilmente, por várias razões. Quando os comportamentos que caracterizam a prática são mantidos por coerção, uma análise custo-benefício de uma rebelião pode resultar em manutenção das práticas a longo prazo. No 4 de julho deste ano o jornal NY Times publicou em página inteira uma foto da Declaração de Independência dos Estados Unidos, que é encabeçada pelo título “ The unanimous Declaration of Independence of the united States of America” (atentar para o United em letra minúscula). Uma das razões para separar-se da Inglaterra mostra que as relações condicionais da análise do Comportamento já eram de certa forma implicitamente conhecidas da assembleia de representantes das treze Colônias: argumentam que quando o sofrimento não é intenso as pessoas se acomodam e aceitam a coerção, só se rebelam quando quem maneja as contingências exagera. A maior parte da Declaração é uma listagem dos exageros da Coroa Britânica, aqui vista como Agência de Controle no sentido skinneriano do termo.

Outro exemplo vem também de matéria no NY times de 5 de julho. No mundo inteiro todos reclamam do frio intenso dos ambientes com ar condicionado durante o verão. A reclamação é unânime, mas ninguém faz nada. Ou não fazia, até que alguém resolveu fazer pesquisa em uma empresa e descobriu que diminuindo o frio do sistema diminui-se também o número de empregados que adoecem, ao mesmo tempo em que a empresa economiza na conta de luz. Neste caso, quem reage ao exagero é a Agência de Controle (a empresa), os empregados estão tão acostumados ao controle aversivo que não ousam reclamar.