quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Práticas culturais no país do faz-de-conta.


         Diz-se que no Brasil a educação não funciona porque o professor faz de conta que ensina e o aluno faz de conta que aprende. É uma verdade terrível, em grande parte. O sistema funciona quando os comportamentos do professor são sensíveis a mudanças desejáveis nos comportamentos do aluno, e essas mudanças ocorrem em função de suas consequências para quem aprende. Essa interação depende de aprendizagem anterior: o professor aprende a ensinar na escola de formação de professores, assim como o estudante aprende a ser aluno desde o maternal.

É inócuo discutir a relação professor-aluno sem falar em repertório, palavra abominada por muitos analistas do comportamento (talvez por lembrar “adversários” famosos como Piaget e Vygotski). Para ilustrar uma questão de repertório: um bebê da classe de renda A (a Zelite do Lula) aprende para que serve um livro folheando um, ilustrado e de plástico, enquanto brinca na banheira; aprende que deve ser importante por observar pais e irmãos lendo; e é reforçado pelas histórias que ouve quando são lidos. De 0 a 3 anos o repertório desenvolvido pelas crianças é tal que aos 4 anos crianças da classe de renda E já não tem condições de competir com seus colegas da classe A.

O sistema educacional funciona como se todos os alunos chegassem ao primeiro ano com repertórios equivalentes, o que não é o caso. As interações proveitosas professor-aluno vão ocorrer para aqueles alunos mais bem preparados.


Como os Estados Unidos aprenderam, não há programa do tipo “No Child Left Behind” que dê jeito. As diferenças em repertório em geral só aumentam, aprofundando o fosso entre oportunidades de emprego e renda. Nesse contexto é irreal o que consta da constituição quando atribui a responsabilidade de educação à família e ao Estado. Sem a intervenção precoce do Estado os filhos das classes economicamente menos favorecidas continuarão à margem do futuro.

Um comentário:

  1. Dados da pesquisa conduzida por Hart e Risley - publicados no livro "Meaningful differences in the everyday experience of young american children" - indicam que a diferença no repertório verbal vocal é imensa e exigiria dezenas de horas semanais de aprendizagem programada (além da cotidiana, informal) para ser superada.

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