domingo, 27 de julho de 2014

Disputas comerciais no mercado das psicoterapias.


Abordagens psicoterapêuticas são resultado de comportamentos sensíveis às suas consequências, como qualquer comportamento operante. São mantidas e prosperam na medida em que seus seguidores de alguma forma agradam os clientes, mantem-se na profissão e ganham reputação pelas indicações feitas por ex-clientes. Por outro lado, uma fonte inesgotável de produção de “novas” abordagens são as contingências especificadas por agências governamentais para o apoio a “inovações tecnológicas” na área. Nos Estados Unidos editais de agências de apoio a tais inovações costumam requerer verdadeiros pacotes, como um nome novo, especificação de métodos e técnicas a serem empregados, tipo de transtorno a que se destina o “pacote”, número previsto de sessões, medidas que mostrem o efeito da terapia, etc. Esse tipo de seleção de propostas está em efeito nos Estados Unidos há mais de 20 anos e tem gerado muitas “tartaruguinhas”, quem sobrevivem (poucas) se conseguirem chegar ao “mar” do mercado ou ao céu dos programas mantidos por verba do governo.
                No Brasil são muito conhecidos os casos de terapeutas analítico-comportamentais que usam nomes de fantasia para distinguir o trabalho – não é o caso de citá-los aqui. No geral isso é aceito porque todo exercício profissional é uma arte, ainda que toda arte dependa de técnicas. Mas  por trás de toda técnica há princípios de alguma ciência, mesmo que a técnica tenha se desenvolvido sem apoio da ciência. Não há problema ético quando o nome de fantasia não usa termos incompatíveis com os princípios da ciência, como faz o ITCR, por exemplo. Mas vejo um problema sério quando misturam ciência com religião (exemplo hipotético: psicoterapia cristã-comportamental) ou com ideologia (outro exemplo hipotético: psicoterapia humanista-comportamental). Um problema ético sério surge quando alguém anuncia um treinamento para uso de alguma técnica para qualquer pessoa que se interesse por ela, como se aprender a usar a técnica fosse tão fácil quanto aprender a fazer tricô. É o caso de certos anúncios do “Método ABA”, para trabalhar com autistas, sem qualquer referência à Análise do Comportamento.

                Travis Thompson, analista do comportamento conhecido por seu trabalho com autistas, publicou um capítulo no Handbook of Classical and Operant Conditioning sobre autismo onde apresenta claramente o desenvolvimento dos trabalhos da Análise do Comportamento nos últimos 60 anos. Thompson adverte: “Não é ético levar pais de autistas a acreditar que seu filho irá ter um desenvolvimento funcional igual a seus colegas no futuro.” A Análise do Comportamento não aborda o “autismo” como se fosse uma “doença” que precisa ser “curada”; trabalhamos com a criança com desenvolvimento atípico como se fosse única, descobrindo com ela até onde pode chegar. Nenhum pacote pode fazer isso.

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