quinta-feira, 24 de outubro de 2013

ANIMAIS USADOS NO ENSINO

Em artigo publicado na revista online Comportese:,


Carlos Augusto de Medeiros escreve contra o uso de animais no ensino e na pesquisa. Sem mencionar a instituição, fala de seu arrependimento por ter no passado ensinado no IESB com o uso de animais. Talvez traído pela memória diz : “Infelizmente, aquela instituição onde trabalhávamos havia investido uma boa soma em caixas de Skinner importadas e voltamos a usá-las para o azar de muitos ratos."
                Surpreso com a afirmação, pois à época eu era Coordenador do Curso de Psicologia do IESB e sei muito bem que não foi isso que aconteceu, pedi a opinião do Prof. Márcio Borges Moreira, parceiro do Prof. Carlos Augusto de Medeiros no livro que usavam para ensinar Análise do Comportamento. Transcrevo a seguir os comentários do Prof. Márcio:



Não resta dúvida de que questões éticas em pesquisa e ensino, não só com animais, mas também com humanos são essenciais para o desenvolvimento dessas áreas. No entanto, tenho deixado a discussão sobre ética (com humanos também) e pesquisa com animais para outras (muitas) pessoas - principalmente em Psicologia, pois acho, como colocado pelo senhor, que há muita hipocrisia, além de não haver uma base clara para a discussão. Outro problema: as pessoas parecem “perder o bom senso” ao ouvir a palavra pesquisa. Não posso fazer uma pesquisa confinando humanos, com a permissão deles, no lab. e pagando por isso, mas posso fazer exatamente o mesmo se chamar de reality-show! O pai pode presentear o filho que foi bem na escola, mas não posso dar brinquedos para uma criança em uma tarefa experimental que não apresenta nenhum risco físico ou psicológico; posso pagar alguém para trabalhar em condições insalubres em uma mina de carvão, mas não posso pagar alguém para participar de uma tarefa experimental com papel e caneta - apenas para citar alguns exemplos.

Quanto ao que foi dito do IESB, o que está errado é dizer "Infelizmente, aquela instituição onde trabalhávamos havia investido uma boa soma em caixas de Skinner importadas e voltamos a usá-las para o azar de muitos ratos."

Para sorte de muitos alunos, voltamos a utilizar as caixas de Skinner. O desenvolvimento dos softwares, desde o início, foi para resolver o problema naquele semestre. Os resultados foram tão bons que decidimos usar os softwares com humanos como atividade extra. Salvo engano, não demos continuidade porque seria muita coisa para um semestre. Preferimos ficar com os ratos. Uma coisa que ninguém está comentando é que com o comportamento humano acontece muito mais coisa do que com o rato (efeito de história e controle por regras, por exemplo). Esse me parece um ponto chave para a discussão.

Contrariando minha regra de não fazer comentários sobre essas questões, abaixo estão  alguns comentários rápidos sobre alguns trechos do texto do Guto:

"Porém, não resta dúvida de que muitas pesquisas com esse perfil utilizam animais de forma desnecessária, produzindo um conhecimento com manipulações tão específicas de variáveis que nunca poderia ser generalizado para humanos."

Qual a base empírica para essa constatação? De alguma forma o senhor já contra-argumenta isso no seu texto.

"A velha desculpa do conhecimento pelo conhecimento não é suficiente para justificar, em absoluto, a exposição de animais não humanos a um sofrimento desnecessário."

Esse é um ponto que não vale a pena discutir: o conceito de "desnecessário" invalida a discussão. Mesmo chegando-se a um acordo de que há sofrimento, pelo menos em algum grau, fica um "eu acho necessário (justificável) e você não, e aí?"

"Mesmo que as pesquisas com não humanos produzam conhecimentos úteis na descrição do comportamento humano, ainda cabe a questão: o que torna a vida de um animal mais dispensável que a de um humano?"

Essa é uma pergunta absolutamente profunda e filosófica! Mas supondo que haja apenas duas respostas possíveis, nada ou "algum coisa", eu diria que se a resposta for "nada", toda a cultura e modo de produção de boa parte do mudo tem que mudar: animais para tração, alimentação - o próprio animal -, sequestrar os filhos da galinha para fazer omelete, jogar inseticida para matar ratos em casa, pegar nas tetas da vaca sem a permissão da mesma para extrair seu leite, arrancar sem dó nem piedade uma pobre tilápia de seu habitat natural para jogá-la na frigideira, etc.. Ah! E os deliciosos camarões? Pobres crustáceos! Deram azar de não serem mamíferos. Aliás os defensores dos animais, ou pelos menos grande parte deles, deveriam ser chamados de defensores dos mamíferos. E os insetos, que compõem o maior e mais largamente distribuído grupo de animais do mundo? O que fazer com seus zunidos e picadas? E o bicho-da-seda? Pobre ser subserviente cuja única função nesse mundo é nos servir para que não andemos pelados!

"Os sujeitos não humanos de pesquisa são gerados para passar a vida toda em uma gaiola que mal comporta as suas dimensões; pouco interagem com outros de sua espécie…"

Assim como a maioria dos bichinhos de estimação… 

"Os experimentos didáticos são replicações de estudos de mais de meio século. Esses experimentos já foram filmados e estão disponíveis em diversas mídias, inclusive no Youtube."

Se for só para ver, tudo bem, mas o importante não é a demonstração, e sim a prática do aluno. Eu mesmo sou responsável por boa das filmagens disponíveis hoje no Youtube. Complementam, mas não substituem a prática.

"Em primeiro lugar, os experimentos costumam ser feitos em grupos, nos quais há divisões de tarefas."

Um problema operacional do professor com grandes turmas não invalida a relevância das práticas com animais e permaneceria com a prática com humanos.

"Se nós somos analistas do comportamento e gostamos de bichos, devemos, pelo menos na nossa alçada, contribuir para o fim de sua exploração."

Particularmente penso que a questão não tem relação nenhuma com gostar de bichos ou com ser analista do comportamento.

Enfim, abusos existem e devem ser combatidos com agilidade e força. No entanto, generalizar todo o uso de animais em pesquisa como abusivo ou desnecessário já é demais. As respostas, de ambas as partes (dos prós e dos contras), talvez não sejam de utilidade porque a pergunta, pelo menos no momento, está errada (devemos fazer pesquisas com animais ou não?). Seria mais producente fazer perguntas como “quais as alternativas?”, “há estudos que possam validar a eficácia da alternativa?”, “é possível se fazer estudos para descobrir alternativas?”, "como desenvolver métodos que nos ajudem a pesar de forma um pouquinho melhor se os benefícios de uma pesquisa justificam seus procedimentos?".

Não havendo no momento alternativas, deveria ser questionado se um determinado uso específico de animais em pesquisa segue ou não padrões internacionais. Se segue, e ainda assim se considera errado, o primeiro passo seria questionar os próprios padrões e os órgãos responsáveis por eles, e não fazer apelos passionais para aqueles que realizam seus estudos seguindo todas as regras de cuidados com os animais. 


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